As questões que envolvem o sistema carcerário no país, longe de se limitarem à execução penal, constituem atualmente temas essenciais à segurança pública de qualquer ente federado.
Admite hoje a administração pública e os órgãos que compõe o sistema de justiça criminal que o que se passa dentro dos presídios impacta também a vida fora deles, inclusive as rebeliões, os motins e a prática de delitos orquestrados do interior de unidades prisionais.
O presídio, que deveria servir para penitenciar e preparar o indivíduo para ser reinserido no convívio social lícito e livre, em regra, termina por convertê-lo em alguém pior, que usa a prisão para praticar outros crimes, vingar-se da sociedade e dos poderes constituídos, e colocar-se a serviço de facções e organizações criminosas.
Ao lado disso, persiste a limitada concepção de segurança pública, posta em prática principalmente por meio de ações repressivas de polícia e do “glamour” midiático de prisões, que mascaram o drama de uma sociedade extremamente injusta e que priva de direitos básicos, desde muito cedo, a grande maioria de seus membros, excluída desde o nascedouro do elementar em termos de cidadania. Não é mera coincidência o fato da população prisional do país, em regra, ser constituída de pessoas jovens, pobres, de baixa escolaridade, subformadas e subprofissionalizadas ou mesmo sem qualquer profissão ou ocupação lícita e socialmente produtiva.
Em seguida, como se carecessem de racionalidade ou sofressem de amnésia, instituições sociais e estatais interrogam-se sobre os motivos pelos quais os jovens e outros cidadãos foram fazer carreira na economia do crime. Busca-se então justificar que os mandatos patrimonialistas, de ‘apenas’ quatro ou oito anos, são insuficientes para lidar com as questões de violência, de criminalidade e de insegurança pública, dentro e fora dos presídios. E assim tem-se conseguido, ultimamente não sem protestos, legitimar essa forma de dominação social, política e econômica ineficaz em termos de justiça, de liberdade e de respeito à dignidade humana.
O impacto dessa caótica equação tem pesado, cada vez mais, de forma dramática sobre a sociedade, especialmente sobre os mais vulneráveis socialmente, que inflam as cifras de encarceramento e de descarte (linchamentos, execuções e outras bárbaras formas de assepsia social), reproduzindo um sentimento generalizado de insegurança pública e abandono material, moral, intelectual e profissional por parte das instituições estatais, econômicas e sociais.
Diante desse cenário, buscam-se alternativas para lidar com os problemas da segurança pública e do sistema prisional brasileiro. Felizmente, há instituições públicas e organizações sociais que se importam. Uma delas, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), realizou nos dias 12 e 13 de fevereiro, em Brasília, audiências públicas acerca da segurança no sistema prisional brasileiro, buscando soluções que atenuem a grave e crônica crise que vive o sistema carcerário no país.
As audiências, que integraram o programa do CNMP intitulado “Segurança sem violência”, mobilizaram diversas organizações sociais e instituições do sistema de justiça criminal, além de representantes de conselhos penitenciários dos estados. Contribuíram significativamente para o amadurecimento das questões e possíveis soluções ligadas à segurança nos presídios todos os que dele participaram. Dentre esses, cumpre destacar: Augusto Rossini, Diretor geral do Depen; Bruno Teixeira, Ouvidor nacional de direitos humanos; Maria Tereza Gomes, Presidente do conselho nacional dos secretários de justiça; Luz Guilherme e Fabiana Costa, Conselheiros do conselho nacional de política criminal e penitenciária; Ela Volkmer, Vice-procuradora geral da República; João Ricardo, Presidente da associação dos magistrados brasileiros; Fábio Tofic, da Rede de justiça criminal; Sidnei Beneti, Ministro do STJ; Domingos Dutra, Deputado Federal; Alan Roque, Representante do Conselho de defensores gerais; Danielle Amorim, Diretora do Presídio de Tijucas; Alexandre Neto, Diretor do complexo penitenciário do Estado de Santa Catarina; Gilson Dipp, Ministro e Vice-presidente do STJ. As audiências públicas do programa “Segurança sem violência” foram eficientemente coordenadas pelo Conselheiro do CNJ, Guilherme Calmom, e pelo Conselheiro Alexandre Saliba, que conduziram de forma bastante profícua as reflexões, críticas e proposições acerca das questões do sistema carcerário do país.
O Estado do Amazonas também participou do evento, por meio da SEJUS/AM, que enviou representantes desta Secretaria de Estado e do Conselho Penitenciário estadual, o qual também se manifestou acerca da realidade prisional do país, considerando a realidade do sistema carcerário local e regional.
A relevante iniciativa de CNMP, por meio do programa “Segurança sem violência”, permitiu ainda avançar quanto ao reconhecimento das boas práticas adotadas em unidades carcerárias, a partir das experiências de unidades prisionais do estado de Santa Catarina, e levantar propostas de ações concretas para intervir na difícil realidade do sistema prisional brasileiro.
As medidas e ações quanto ao tema não estão encerradas. Prosseguirão noutras fases e momentos, a fim de aprofundar e desenvolver ações integradas, com vistas a articular políticas nacionais, nas diversas áreas, visando lidar com a problemática da segurança nos sistema carcerário do país com a eficácia que o problema requer e a sociedade necessita. Nesse sentido, sem dúvida, o CNMP está contribuindo para acender uma “luz no fim túnel”.
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