Do Estadão Conteúdo
CURITIBA – O primeiro interrogatório do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso na Operação Lava Jato, com a substituta do juiz Sérgio Moro, a juíza federal Gabriela Hardt, foi marcado por um clima de tensão. Na audiência, que ocorreu nesta quarta-feira, 14 e que durou quase três horas, a magistrada chegou a advertir o petista logo no início do depoimento. Foi a primeira vez que o ex-presidente deixou a Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, desde que foi preso, em 7 de abril, após ser condenado em segunda instância no processo que envolve o triplex do Guarujá.
Nesta ação, o ex-presidente – que disse ontem que não sabia do que era acusado e alegou ser vítima de uma “farsa” – é réu no caso do sítio de Atibaia por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Segundo a acusação, o petista recebeu propina das empreiteiras OAS e Odebrecht por meio de reformas no sítio, que está em nome do empresário Fernando Bittar, também réu na ação – ao todo são 13 acusados. As obras teriam custado cerca de R$ 1 milhão.
“O sr. sabe do que está sendo acusado?”, indagou a juíza, seguindo o rito dos interrogatórios a que são submetidos todos os réus.
“Não”, respondeu secamente o petista, para, em seguida, emendar que estava disposto a responder a toda e qualquer pergunta. “Eu sou dono do sítio ou não?”, ele protestou.
“Isso é o senhor que tem que responder e não eu”, rebateu Gabriela. “E eu não estou sendo interrogada nesse momento.” Após ser interrompida por Lula, que insistia em fazer perguntas, a juíza afirmou: “Senhor ex-presidente, se começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema.”
“Isso é o senhor que tem que responder e não eu”, ponderou Gabriela. “E eu não estou sendo interrogada nesse momento.”
“Quem tem que responder é quem acusou”, interrompeu Lula.
“Eu vou fazer as perguntas para que o caso seja esclarecido, para que eu possa sentenciar, ou algum colega possa sentenciá-lo.”
Em um momento seguinte da audiência, Lula perguntou a juíza. “Quando eu posso falar, Dra?”
“O sr pode falar, o sr pode responder quando eu perguntar no começo”, disse Hardt.
“Mas pelo que eu sei é meu tempo de falar”, respondeu o ex-presidente.
“Não, é o tempo de responder às minhas perguntas. Eu não vou responder interrogatório nem questionamentos aqui, está claro?”, afirmou a magistrada.
“Está claro que eu não vou ser interrogada?”, insistiu Hardt.
“Eu não imaginei que fosse assim, Dra”, disse Lula.
“Eu também não”, afirmou Gabriela.
“Como eu sou vítima de uma mentira há muito tempo”, afirmou Lula.
“Eu também não imaginava, então, vamos começar com as perguntas. Eu já fiz um resumo da acusação e vou fazer perguntas. O sr fica em silêncio ou o sr responde”, disse a juíza.
Tanto os delatores da Odebrecht como o ex-presidente da OAS José Aldemário Pinheiro, o Léo Pinheiro, afirmaram em juízo que executaram serviços em benefício do petista. Pinheiro chegou a dizer que o sítio era de Lula, o que ex-presidente nega.
Na segunda-feira passada, Bittar havia dito a Gabriela que a ex-primeira-dama Marisa Letícia, morta em fevereiro de 2017, “ia tocar a obra” no sítio e o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula, faria a reforma. Segundo Bittar, Marisa “tinha autonomia” para coordenar as obras.
As reformas do sítio teriam sido feitas em três etapas. A primeira, sob comando de Bumlai no valor de R$ 150 mil, a segunda da Odebrecht, de R$ 700 mil – ambas em 2010 – e uma terceira obra na cozinha, pela OAS, de R$ 170 mil – em 2014 -, em um total de R$ 1,02 milhão.
“Agora ficou fácil citar o nome da dona Marisa, porque ela morreu”, afirmou Lula. “Tenho muita dúvida se dona Marisa pediu para fazer a reforma. Tenho muita dúvida. Como ela não está aqui para se explicar, eu fico com a minha dúvida.”
Lula disse ainda que “tem a tranquilidade de dizer que não sabe quanto custou a reforma”. Segundo ele, só “quem pode dizer isso é quem é o dono do sítio.”
O petista se exaltou quando foi questionado sobre propinas pagas no âmbito de contratos da Petrobrás e a criação de um suposto caixa do PT, que teria sido administrado pelo ex-tesoureiro da sigla João Vaccari.
“O senhor não acredita, mas foi lhe dito nos outros depoimentos sobre quantidades de valores devolvidos por diretores e gerentes da Petrobrás relativos a propinas e os valores em contas bloqueadas de políticos no exterior”, afirmou Gabriela. Lula respondeu: “Aí é caixa deles, na verdade eles ganhavam um prêmio. Nunca foi tão fácil ser ladrão nesse País. Você rouba, aí depois faz a delação e fica com um terço do roubo ou dois terços do roubo”.
‘É melhor parar com isso’, disse a juíza após Lula sugerir amizade de Moro e doleiro
A juíza reagiu quando Lula sugeriu amizade entre Sérgio Moro e o doleiro Alberto Youssef, delator das Operações Lava Jato e Banestado. “Ele não vai fazer acusações a meu colega aqui”, disse.
“Eu não sei porque cargas d’água no caso da Petrobras houve essa questão de jogar suspeita sobre indicação de pessoas. É triste, mas é assim. Possivelmente por conta de que o delator principal era o Youssef que era amigo do Moro desde o caso do Banestado. É isso. Lamentavelmente é isso”, afirmou Lula.
“Dr, por favor. Ele não vai fazer acusações a meu colega aqui”, interrompeu Gabriela Hardt.
“Eu não estou acusando, estou constatando fato”, continuou o ex-presidente.
“Não é um fato, porque o Moro não é amigo do Youssef e nunca foi”, afirmou a juíza.
“Mas manteve ele sob vigilância 8 anos”, declarou o petista.
“Ele não ficou sob vigilância 8 anos e é o melhor o sr. parar com isso”, disse a magistrada.
Acusações rebatidas
Em nota divulgada ontem, o advogado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Cristiano Zanin Martins, disse que durante seu depoimento o petista “demonstrou perplexidade” e reforçou “indignação por estar preso sem ter cometido crime”.
“Lula apresentou em seu depoimento a perplexidade de estar sendo acusado pelo recebimento de reformas em um sítio situado em Atibaia que, em verdade, não têm qualquer vínculo com a Petrobrás e que pertence de fato e de direito à família Bittar, conforme farta documentação constante no processo”, escreveu o advogado.
Na sequência, o advogado afirma que Lula – “preso sem ter cometido qualquer crime” – estaria “sofrendo uma perseguição judicial por motivação política materializada em diversas acusações ofensivas e despropositadas para alguém que governou atendendo exclusivamente aos interesses do País”.