Por Felipe Campinas, da Redação
MANAUS – Regras estabelecidas pelo TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) para que a Anoreg-AM (Associação dos Notários e Registradores do Brasil) receba 50% da receita da venda de selos eletrônicos gerou briga entre a associação e o Tribunal. O TJAM condicionou liberação de valores à prestação de contas mensal, mas a entidade contesta a medida.
As regras constam na Portaria nº 5, de 30 de julho de 2021, assinada pelo presidente do TJAM, desembargador Domingos Chalub, e pela corregedora-geral de Justiça, desembargadora Nélia Caminha. Além de condicionar o pagamento de parte da receita à prestação de contas, o ato descreveu os tipos de despesas que não podem ser pagas com o dinheiro desse limite.
No dia 7 deste mês, a Anoreg-AM ajuizou um mandado de segurança no próprio TJAM para derrubar a portaria. A entidade sustentou que o ato é “ilegal” porque a Corregedoria não pode exigir prestação de contas de uma associação de direito privado e porque as mudanças contrariam a Lei º 3.005/2005 e o Convênio nº 4/2018, celebrado entre a entidade e o Tribunal.
Em decisão provisória proferida no dia 14 de outubro, o desembargador Flávio Pascarelli suspendeu a eficácia da portaria e proibiu o TJAM de reter valores à Anoreg-AM. O magistrado considerou que o repasse do montante está previsto no convênio firmado entre a associação e o Tribunal e que a portaria modifica unilateralmente os termos do acordo.
“Os impetrados alteraram, sem o prévio consentimento e participação do convenente, ora impetrante, termos essenciais do pacto celebrado sob o objetivo comum de melhor atender ao interesse público voltado à implantação e operacionalização destinada à gestão, fiscalização e controle da atividade extrajudicial”, disse Pascarelli.
Na quinta-feira (21), o Estado do Amazonas apresentou um recurso no STJ para suspender a liminar concedida por Pascarelli. Nesta sexta-feira (22), o presidente da instituição, ministro Humberto Martins, derrubou a decisão de Pascarelli por entender que não houve ilegalidade na portaria que estabeleceu as regras.
“No caso em tela, não se verifica de maneira evidente a prática de ação administrativa ilegal por parte do ente público que pudesse justificar uma intervenção corretiva do Poder Judiciário”, disse Martins, ao afirmar que o TJAM exerceu sua função administrativa fiscalizatória do convênio ao adotar as medidas na portaria.
Selo digital
O selo eletrônico é uma espécie de autenticação eletrônica válida apenas em um documento e aplicado em todos os atos dos cartórios do Amazonas. Para cada documento há um selo diferente. Com esse sistema, a Justiça tem acesso a informação em tempo real sobre os atos praticados por notários e registradores.
O custo do selo eletrônico compõe a taxa paga pelos usuários dos serviços dos cartórios, conforme a tabela de emolumentos. Além do selo, o cidadão paga o valor dos emolumentos, custos com computação, ISS (Imposto Sobre Serviços) e os fundos da PGE (Procuradoria-Geral do Estado do Amazonas), da DPE (Defensoria Pública do Amazonas) e do próprio TJAM.
A título de exemplo, quando alguém registra um imóvel avaliado em R$ 118 mil no cartório, paga uma taxa de R$ 1.451,24. Desse total, R$ 1.121,58 é referente ao emolumento, R$ 7,53 à computação, R$ 56,45 ao ISS, R$ 33,87 ao fundo da PGE, R$ 56,45 ao fundo da DPE, R$ 169,36 ao fundo do TJAM e R$ 6,00 ao selo.
Para a manutenção do selo, o TJAM firmou o Convênio nº 004/2018 com a Anoreg-AM. O acordo estabelece que o Tribunal ficará com 50% dos valores recolhidos com a venda do selo e que a entidade ficará com a metade para “compensar a implantação e operacionalização de solução destinada a gestão, fiscalização e controle da atividade extrajudicial”.
Nova regra
A Portaria Conjunta nº 5, de 30 de julho de 2021, estabelece que a Anoreg-AM só receberá o dinheiro se comprovar que está aplicando o valor no objeto do convênio. Para isso, a entidade deverá apresentar a prestação de contas todo mês e receberá apenas o montante que a Corregedoria entender que foi usado para os reais objetivos.
O ato do TJAM e CGJ-AM prevê ainda a possibilidade de retenção do valor que a Anoreg tem direito caso não haja a apresentação da prestação de contas mensal. “Podendo ocorrer a glosa até a análise da referida prestação de contas pela Corregedoria-Geral de Justiça com apoio dos órgãos de controle interno do Tribunal de Justiça do Amazonas”, diz a portaria.
O documento fixa que o dinheiro deverá ser usado para pagar apenas os gastos relativos ao desenvolvimento e manutenção do portal do selo. A portaria proíbe a Anoreg-AM de usar o dinheiro para aluguéis de prédios, contas de luz, água, televisão, celular e internet, imposto de renda ou outros tributos da associação e aquisição de livros.
O ato também proíbe o uso do dinheiro para aquisição de bens ou serviços para o TJAM, gastos relativos ao sistema gerencial dos cartórios, denominado ‘Cacique Web’ ou qualquer outro que possua a mesma finalidade, gastos trabalhistas ou relativos à folha de pagamento de serviços da associação, e outros gastos que não tenham relação com o objeto do convênio.
Atividade privada
Para a Anoreg-AM, a CGJ-AM não pode realizar a retenção dos valores pertencentes a ela e exigir a prestação de contas porque a associação “não detém nenhuma delegação do Poder Público e nem recebe ou administra verba pública, sendo, eminentemente exercício de atividade privada, em razão da expertise inerente à prestação de serviços especializados”.
Além disso, a entidade afirma que o repasse dos 50% está previsto na Lei 3.005, de 28 de novembro de 2005, sancionada pelo ex-governador e atual senador do Amazonas Eduardo Braga (MDB). “O texto não deixa dúvida, a lei 3.005/2005 determina ao TJAM que repasse os 50% a associação e não impõe restrições”, disse a associação.
A Anoreg-AM sustentou que o TJAM e a CGJ-AM alteraram, sem o prévio consentimento e participação dela, termos essenciais do pacto celebrado “sob o objetivo comum de melhor atender ao interesse público voltado à implantação e operacionalização destinada à gestão, fiscalização e controle da atividade extrajudicial”.
Sem conflito
Procurada pela reportagem, a CGJ-AM informou que não há conflito entre ela e a Anoreg-AM, “havendo, tão somente, na compreensão da Corregedoria, a necessidade de adequação de atos administrativos aos ditames da legislação e também aos princípios constitucionais da publicidade, legalidade e moralidade”.
De acordo com a CGJ-AM, a execução do convênio “não estava de acordo com o que determina a Lei nº 8.666, a qual diz que qualquer repasse de dinheiro público deve ser acompanhado da devida prestação de contas, devendo a entidade recebedora de valores comprovar suas respectivas despesas”.
Com isso, seguindo o princípio da autotutela, o TJAM baixou diversos atos (dentre os quais a Portaria Conjunta nº 05) visando estabelecer regras para regular a prestação de contas, já que o convênio não a contemplava, “agindo assim para regulá-lo e torná-lo compatível com os ditames legais e dando ampla publicidade aos gastos decorrentes de verbas públicas”.
Leia a nota da CGJ-AM na íntegra:
Nota
Ao receber os questionamentos deste estimado veículo de comunicação, a Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas evidencia, inicialmente, que as relações entre o Poder Judiciário Estadual e demais entidades administrativas sempre se pautaram pelo respeito mútuo e pelo caráter institucional das relações, respeitando os princípios da publicidade e da boa administração pública.
Assim sendo, acerca dos questionamentos apresentados, a Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas ressalta que não há conflito entre o órgão de correição e a Associação de Notários e Registradores do Estado do Amazonas (Anoreg-Am), havendo, tão somente, na compreensão da Corregedoria, a necessidade de adequação de atos administrativos aos ditames da legislação e também aos princípios constitucionais da publicidade, legalidade e moralidade.
Sobre o caso presente, tratado pela Portaria Conjunta nº 5 (de 30 de julho de 2021), informa-se por meio desta Nota, que a atuação administrativa da Corregedoria-Geral de Justiça visa apenas adequar o convênio firmado pelas duas entidades (Tribunal de Justiça do Amazonas e Anoreg-Am) aos ditames da lei.
Na compreensão da Corregedoria, a execução do convênio em questão não estava de acordo com o que determina a Lei nº 8.666, a qual diz que qualquer repasse de dinheiro público deve ser acompanhado da devida prestação de contas, devendo a entidade recebedora de valores comprovar suas respectivas despesas bem como que tais despesas se relacionem com o objeto do convênio.
Assim, com base no princípio da auto-tutela da Administração (princípio pelo qual a Administração pode rever seus próprios atos, quando for observado que eles tenham irregularidades ou quando eles venham ferir princípios administrativos), o Tribunal de Justiça do Amazonas baixou diversos Atos (dentre os quais a Portaria Conjunta nº 05) visando estabelecer regras abstratas para regular a prestação de contas, já que o convênio não a contemplava, agindo assim para regulá-lo e torná-lo compatível com os ditames legais e dando ampla publicidade aos gastos decorrentes de verbas públicas.
Após a edição da Portaria Conjunta nº 05, a Anoreg ingressou com um Mandado de Segurança, questionando a sua validade; a Segurança foi concedida em caráter liminar e a Procuradoria-Geral do Estado (PGE), por seu turno, ingressou junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) com o pedido para suspensão da Segurança, objetivando a revogação dos efeitos da liminar, o que foi deferido pelo Ministro Presidente daquela Corte, conforme consta no espelho processual.