A privatização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário de Manaus elevou os preços das tarifas aos patamares mais altos da Amazônia e do Brasil. Os reajustes têm sido efetivados implacavelmente ao longo do período de concessão a despeito do desempenho insatisfatório da iniciativa privada. Dados do Sistema Nacional de Informação sobre o Saneamento (SNIS) situam a capital amazonense entre as piores grandes cidades brasileiras.
Apesar dos tempos difíceis da pandemia, a concessionária Águas de Manaus obteve um excelente retorno econômico nos anos 2019 e 2020, alcançando um crescimento de 93% no lucro líquido. Recorrendo a diversas estratégias espoliativas (cobranças abusivas, negação da tarifa social, empréstimos facilitados de bancos públicos e falta de investimentos), a empresa arrecadou 1, 55 bilhão de reais neste período. Mesmo com tal rendimento, a empresa busca aumentar ao máximo os lucros, tentando impor reajustes excessivos à população.
Sem ouvir a opinião da sociedade e ignorando o empobrecimento da população, a empresa conseguiu impor mais uma série de reajustes nos serviços de água e esgoto, prejudicando grande parte do povo manauense, principalmente aquela de menor poder aquisitivo. Em negociação com o poder municipal, a concessionária Águas de Manaus estabeleceu um reajuste de 42% na tarifa dos serviços, argumentando que tal aumento corresponde aos últimos dois anos: 2020 e 2021.
Mesmo que seja parcelado ao longo de 20 anos, tal reajuste impactará significativamente a vida da população devido aos estragos causados pelas atuais crises econômicas e sanitárias, que não têm data marcada para terminar. Além de arcar com este reajuste escalonado durante as próximas duas décadas, a população também terá que suportar os futuros reajustes anuais previstos pelo contrato de concessão, impedindo as populações mais pobres de pagar dos serviços.
Os reajustes mencionados consolidam a tradição iniciada pela privatização segundo a qual Manaus possui a tarifa de água mais cara da Amazônia e ostenta posição semelhante no cenário brasileiro. A trajetória da concessão dos serviços de água e esgoto em Manaus mostra que o principal objetivo do mercado da água é a geração de lucro para as empresas envolvidas, empurrando para segundo plano (ou para fora dos planos) o ideal da universalização dos serviços.
Os reajustes impostos à população reforçarão o regime de desigualdades sociais na Amazônia, dificultando ainda mais o acesso das populações mais pobres ao saneamento básico. Já é possível perceber que o mercado global da água restringirá o acesso aos principais reservatórios de água doce do planeta, guardando-os para as classes mais abastadas.
O mercado da água é uma invenção neoliberal que favorece as grandes empresas e países desenvolvidos, viabilizando a perenidade do sistema capitalista global que se apropria das riquezas naturais, provocando colapso socioambiental e precarização da vida humana. Neste processo autoritário os mais pobres são os que sofrem as consequências mais perversas.
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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