Igor Araujo Lopes (*)
Corria o ano de 1848. Num pequeno e singelo, porém monumental documento, para diálogo com a classe trabalhadora de sua época, o Manifesto do Partido Comunista, o sempre atual e pertinente Karl Marx já alertava para o caráter perene do Estado, sendo este o grande balcão de negócios da burguesia no modo de produção capitalista.
Confirmada pela história, a premissa ficou demonstrada na semana passada com os acontecimentos fulminantes do Brasil. A bomba JBS oferta uma prova cabal dessa tese marxiana, e também sacode os podres pilares que dão sustento aos tímidos ensaios de construção de uma democracia primitiva, um arroubo capenga do estado de bem-estar social, e uma economia que se pretende forte dentro dos limites da periferia.
Enfim, tudo aquilo que esteve na promoção da Nova Velha República de Michel Temer caiu, sucumbiu. Briga de balcão. A burguesia trama contra a burguesia. Os interesses, de tão pesados, paradoxalmente, não se ajustam nas pilastras corroídas pela contravenção exacerbada.
Esta conjuntura se impõe com um semblante tragicômico, em homenagem grotesca à dramaturgia clássica dos gregos, farsa e tragédia, pois, ao mesmo tempo que conserva contradições bem-humoradas para quem vê de fora, reafirma em seu roteiro o caos da desconstrução.
Um enredo caótico, repleto de fenômenos bizarros, amplamente ilustrativos da realidade brasileira. Plantão Nacional, com a trilha sonora da tragédia, cumpre o papel de quebrar recordes de audiência da Rede Globo. O novo Rei do Gado, da “maior processadora de carne do mundo”, tentando fazer do senso crítico nacional a manada ignara que lhe convém. Propina, pernada e delação… a mercadoria mais rentável da indústria da contravenção, Made in Brazil.
O debate sobre o Brasil andava malparado pela ideologização das mídias dominantes, e das “limitações institucionais”. A bomba de fabricação caseira, porém, mostrou que é preciso, mais do que nunca, ampliar a artilharia crítica desse projeto de coligação da burguesia em confronto com a burguesia, que cria consórcios e acertos, onde o que domina é a manutenção da podridão no imediatismo bizarro deste capitalismo aloprado. É desafiador mapear diferenças entre PT e PSDB – os maiores partidos da ordem – passando pelo fisiologismo mafioso do PMDB e seus coadjuvantes.
Todos são muito parecidos, não há espaço para nenhuma grande divergência ideológica. Por consequência, não há espaço também para qualquer divergência política de monta. O caminho institucional se cristalizou num conservadorismo estéril.
As elites têm poder de decisão, e de corrupção, imensos dentro do Estado brasileiro. Por isso, é colossal a ingenuidade de quem espera por parte deste poder qualquer espaço de democratização ou revisão de sua estatura e estrutura. Qualquer mudança significativa – mesmo sendo o reformismo das últimas décadas, quase sem nenhuma reforma – já é, de partida, ilegítima. Ela estará submetida, em maior ou menor grau, à influência daqueles que, cheios de poder, e querer, vão lutar pra manter seus interesses e privilégios.
Dado isso, não existe tarefa maior do que criar um novo radicalismo político no Brasil. É preciso fazer o que não se fez nos últimos rodízios da direção, incluindo o período de governo petista autointitulado progressista, poder popular: nunca foi tão primordial a participação – e para isso, a conscientização política e classista – das categorias subalternas para que, enfim, possam expressar em ato a latência e a potência de classe revolucionária. É emergencial formar atores políticos alinhados nessa perspectiva de poder.
A luta que grita ‘Diretas Já’ não só se faz ingênua por querer repetir a história sem saber que essa só se repete como farsa. E, pior do que isso: lutar por eleições diretas não só diminui a capacidade de participação popular, como também, entrega mais uma vez o poder a burguesia. É preciso deixar esse sistema naufragar, para que assim se torne evidente para todos a crueza apodrecida de suas entranhas. A meta é decretar o fim das ilusões reformistas e de conciliação, pelo fim das ilusões que pregam a possibilidade de vida digna dentro do capitalismo dependente. É hora, em nome do povo, pelo povo e para o povo, de radicalizar a Democracia.