Por Iolanda Ventura, da Redação
MANAUS – A temporada de queimadas no Amazonas intensifica os problemas do sistema de saúde no interior. Segundo secretários municipais de saúde, a piora na qualidade do ar afeta mais as pessoas que têm dificuldades de obter atendimento nos hospitais. Os dados constam no “O ar é insuportável – Os impactos das queimadas associadas ao desmatamento da Amazônia brasileira na saúde”, divulgado nesta quarta-feira, 26.
O relatório foi elaborado pelo Ieps (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde), Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e a Human Rights Watch. O documento avalia o impacto que as queimadas associadas ao desmatamento na Amazônia brasileira tiveram sobre a saúde em 2019.
Em Lábrea (a 708,88 quilômetros de Manaus), município no sul do Amazonas, o secretário municipal de saúde, Dário Vicente da Silva afirmou, em entrevista em maio deste ano, que a fumaça das queimadas tem um impacto dramático na qualidade do ar a cada ano. “Eu mesmo sofro muito, quase não consigo falar, fico com a garganta e olhos secos”, diz ele. “Nossa demanda nos hospitais aumenta em 30% na época de queimadas e aumenta cerca de 20% a compra de medicamentos, insumos, equipamentos e inaladores”.
De acordo com Dário Vicente, há também um ‘aumento impressionante’ no número de crianças e idosos que precisam de atendimento ambulatorial devido a problemas respiratórios. “Embora a maioria seja tratada e retorne para casa, há muitas recaídas, pois continuam a sentir os efeitos deletérios do aquecimento das queimadas, poeira, fumaça, fuligem. E acabam voltando, há muita recorrência. Voltam [em alguns casos] às vezes uma vez por semana”, relata.
Em Novo Aripuanã (a 228 quilômetros de Manaus), o secretário municipal de saúde, Marcelo da Rocha Benlolo, diz que o aumento de pacientes com problemas respiratórios durante a temporada de queimadas representa um desafio para os recursos limitados do sistema de saúde local. “Nós temos um hospital que é bem básico, não tem UTI e nem respirador”, lamenta.
Segundo Benlolo, em casos graves, é preciso providenciar o transporte dos pacientes para Manaus, ou enviá-los de lancha, uma viagem de 12 horas.
A preocupação aumenta com a pandemia de Covid-19, que também traz complicações respiratórias e exige os mesmos equipamentos que seriam usados para tratar doenças provocadas pela fumaça.
O relatório prevê que devido ao grande acúmulo de terras desmatadas, mas não queimadas, e de intensos focos de fogo na região na aproximação dos meses mais secos (agosto e setembro), as queimadas de 2020 possam ser significativamente piores do que 2019.
Benlolo diz que as unidades locais de Novo Aripuanã já haviam atingido a capacidade total muito antes da temporada de queimadas devido à pandemia. O presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Amazonas e secretário municipal de Saúde de Tapauá, Januário Carneiro Neto, previu que “as queimadas seriam um agravante violentíssimo”.
Poluição do ar
Mapa da poluição do ar do bioma Amazônia no Brasil de agosto de 2019, quando ocorreu o pico de focos de fogo do ano passado, mostra que 19 municípios no Amazonas, Mato Grosso, Pará e Rondônia apresentaram concentração elevada de poluição do ar.
Em média, as concentrações de PM 2,5 (material particulado) estavam entre 50 e 132 microgramas por metro cúbico em qualquer dia do mês, entre duas e cinco vezes acima do limite máximo de 25 microgramas estabelecido pela OMS (Organização Mundial de Saúde) para proteger a saúde.
Em outros 71 municípios da Amazônia, os níveis médios de PM 2,5 ultrapassaram 25 microgramas, o máximo estabelecido pela OMS, variando entre 25 e 50. No total, 2.884.092 pessoas que residem nesses 90 municípios foram expostas a esses níveis de poluição nocivos.
O material particulado menor que 2,5 micrômetros de diâmetro, conhecido como PM 2,5 é um dos principais componentes da fumaça. Quando inalado, o PM 2,5 penetra facilmente no pulmão e entra na corrente sanguínea, permanecendo no corpo por meses após a exposição.
Internações
O estudo estimou que em 2019 houve 2.195 internações por doenças respiratórias atribuíveis a queimadas associadas ao desmatamento na Amazônia brasileira. Setenta por cento das internações envolveram bebês ou pessoas idosas: 467 foram de bebês de 0 a 12 meses; 1.080 foram de pessoas com 60 anos de idade ou mais. As 2.195 internações resultaram em um total de 6.698 dias no hospital para os pacientes.
Os números de internações decorrentes das queimadas no estudo incluem apenas os notificados por estabelecimentos que fazem parte do SUS (Sistema Único de Saúde).
O relatório indica que é provável que um número significativo de pessoas, cujo estado de saúde poderia justificar uma internação, nunca tenha procurado ou não tenha conseguido obter atendimento em estabelecimentos de saúde. A infraestrutura de saúde na região amazônica é altamente concentrada em algumas grandes cidades, como o Amazonas, que possui UTI somente em Manaus.
Muitos residentes de comunidades rurais e pequenos municípios precisam viajar longas distâncias para chegar aos estabelecimentos médicos que oferecem cuidados de alta complexidade, incluindo internações.
Em média, o acesso a essas instalações exige que as pessoas percorram entre 370 e 471 quilômetros nos estados do Amazonas, Mato Grosso e Roraima, segundo estudo recente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), enquanto a média nacional é de 155 quilômetros. O acesso de povos indígenas aos cuidados de saúde às vezes é ainda mais restrito, ficando abaixo da média da região amazônica.
Em 10% das aldeias indígenas do interior da Amazônia, as pessoas precisam viajar entre 700 e 1.079 quilômetros para chegar a um hospital público com leito em uma unidade de terapia intensiva, segundo estudo que cruzou dados do Ministério da Saúde e as localidades das aldeias registradas pela Funai (Fundação Nacional do Índio).