
Por Marcelo Moreira, do ATUAL
MANAUS – Quando não está na escola, Theo Lacerda, de 3 anos, faz aulas de natação, brinca de dragão e pinta com tinta guache. No fim da tarde, tem a hora da merenda. À noite, a criança assiste TV por, no máximo, duas horas. Depois, é hora de dormir.
Permanecer o mais distante possível das telas é um cuidado que a mãe, Manuela Lacerda, de 25 anos, sempre teve com o filho. O acesso ao celular, por exemplo, é mínimo. Só é permitido em alguns dias da semana para assistir desenhos.
“Quando ele pede pra ver desenho fora do horário que é de costume, a gente diz que não tá funcionando e propõe uma brincadeira ou conta uma história. Ele fica muito mais calmo quando passa o dia sem telas. Então, a gente tenta estimular brincadeiras”, diz Manuela.
A mãe conta que Theo não tem necessidade de ter um celular nesse momento e que pretende dar o aparelho para ele só daqui há alguns anos, embora acredite que sempre será melhor investir em distrações da vida real, com a presença da família e de amigos.
“Eu acho que o celular não é de todo mal se o uso dele for 100% monitorado. Mas se um adulto pode gastar tanto tempo monitorando o aparelho do filho, ele pode converter esse tempo interagindo com o filho sem celular. Então, pra mim, o ideal é que a família faça de tudo pra evitar as telas o máximo de tempo que der”, diz Manuela.

Atraso cognitivo e social
Especialistas afirmam que o celular vicia, traz problemas à concentração e à saúde dos olhos e ainda pode facilitar doenças como ansiedade e depressão. Por isso, criar hábitos que distanciem o máximo o uso do aparelho e das telas em geral é importante desde cedo.
Para o pediatra Guilherme Lunière, o acesso de crianças ao celular deve ser gradual. Segundo o médico, até os dois anos de idade, a criança não deve ter contato com o aparelho, nem mesmo com a televisão ligada na sala.
“Nessa fase principal, de zero a dois anos, é quando a criança está aprendendo texturas, desenvolvendo uma parte do cérebro dela, que dificilmente vai conseguir mudar no futuro se for lesada por telas”, diz.
E depois dos dois anos de vida? O médico explica que a partir dessa idade, já é possível ver animações na tela por, no máximo, uma hora por dia. De cinco a nove anos, as crianças só podem ter duas horas de tela diariamente.
O pediatra orienta que os pais sigam essas recomendações para que as crianças não tenham dificuldades no desenvolvimento cognitivo e social.
“As crianças que estão submetidas a mais tempo na tela terão, provavelmente, uma sociabilidade mais lenta” diz.
Lunière diz que mesmo após a liberação do uso do celular para crianças e adolescentes, é necessário ter o monitoramento dos pais, por causa do risco de ciberbullying e outros conteúdos inadequados na internet.
“Tem que ter as restrições. Os pais têm que ter acesso ao conteúdo que as crianças veem e, idealmente, a criança ter acesso a apenas materiais educativos, sem redes sociais”, reforça o médico.

Consequências na escola e na vida adulta
Especialistas dizem que na escola, as crianças que ficam mais tempo no celular são as que, geralmente, ficam mais tempo sozinhas e não brincam com os colegas. Médicos afirmam que também percebem atraso na fala dessas crianças.
“As crianças muito expostas às telas apresentam mais problemas de aprendizagem na escola, ficam com níveis mais altos de cortizol, que é o hormônio do estresse, que desregula o sono, o apetite, torna as crianças mais suscetíveis a vícios. Eles podem apresentar outros transtornos mentais”, diz a pediatra Rossiclei Pinheiro.
A médica faz um alerta para uma série de consequências do uso descontrolado do celular, principalmente pela diversidade de conteúdos disponíveis na internet.
“Transtorno do sono, transtorno da alimentação com sobrepeso, sedentarismo, transtorno da imagem corporal e da autoestima, risco da sexualidade precoce, nudez, abusos sexuais, estupro virtual, tudo isso pode acontecer com as crianças se elas têm contato com celular sem supervisão de um adulto”, diz.
Outras recomendações sobre o uso de telas por crianças estão presentes em um manual de orientação da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria).
Problemas na visão
O oftalmologista Swammy Mitozo afirma que o excesso de exposição à luz das telas pode interferir no sono, na rotina de atividades físicas e de outros comportamentos saudáveis. Além disso, o maior tempo na frente do celular pode prejudicar a visão. Por isso, além de levar os filho a consultas oftalmológicas regulares, os pais também podem:
“Ajustar a configuração do dispositivo: diminuir o brilho da tela, aumentar o tamanho do texto e usar o “modo noturno” ou configurações que reduzam a emissão de luz azul quando disponíveis. Além disso, orientar as crianças a manterem uma boa postura: garantir que a tela esteja ao nível dos olhos e a uma distância adequada para evitar tensão ocular e problemas posturais”, disse Swammy Mitozo.
“Só quando for preciso”
Arthur, de 9 anos, e Isabella, de 7, ainda não têm celular. A mãe, Flávia Ximenes, de 39 anos, tenta proporcionar momentos de diversão na vida real e, sobre quando os filhos terão um aparelho, ela conta que fez um combinado com eles: só quando houver necessidade.

“Tanto eu quanto o meu marido acreditamos que ainda são muito crianças pra ter celular, não tem essa necessidade por enquanto e nem maturidade suficiente para filtrar o que serve e o que não serve para eles. Nosso combinado em casa é que eles terão celular somente quando houver uma real necessidade de nos comunicarmos com eles”, disse.
“Muitas crianças hoje estão ansiosas e deprimidas porque não tem maturidade suficiente para lidar com os conteúdos que acessam através do celular. Enquanto eu puder poupar meus filhos desses riscos e perigos, eu vou fazer isso. Aproveitamos a infância deles e o mundo atual para ensinar também sobre o uso responsável da tecnologia, seja o computador, a televisão ou os celulares e tablets”, completou.