MANAUS – Enquanto parte da população amazonense aguarda nas filas para a realização de exames e tratamentos diversos na rede pública de saúde, a Susam (Secretaria de Estado de Saúde) pagou, entre 2013 e 2015, R$ 3,9 milhões ao hospital particular Sírio-Libanês, sediado em São Paulo. O recurso cobriu procedimentos realizados por um grupo seleto de beneficiados, entre os quais estão pessoas públicas que ocupam cargos de prestígio no judiciário, no meio político, na estrutura do Governo do Estado e até parentes de autoridades.
Conforme dados públicos disponíveis no Portal da Transparência do Governo do Estado, ferramenta que agrega informações sobre receitas e despesas dos três poderes, só em 2015, R$ 1,7 milhão foi destinado ao tratamento de seis pessoas, entre elas, o desembargador Domingos Jorge Chalub, do TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas). O tratamento do magistrado custou aos cofres estaduais R$ 63,4 mil, em setembro do ano passado. O descritivo do gasto não informa qual enfermidade o desembargador foi tratar.
No mesmo ano, o ex-prefeito de Manaucapuru (a 84 quilômetros de Manaus) e ex-deputado estadual Washington Régis, morto em julho de 2015, vítima de doença degenerativa, também teve parte do tratamento bancado pelo contribuinte. Em março de 2015, o político e empresário passou pelo hospital Sírio-Libanês, considerado um dos melhores do país em assistência, o que gerou despesas de R$ 191,3 mil à Susam.
Ainda em 2015, o colunista social do jornal A Crítica, Aléx Deneriaz, morto em abril, vítima de problemas cardíacos decorrentes de uma bactéria que se alojou em seu coração, ficou internado na unidade hospitalar. A morte ocorreu nas dependências do Sírio-Libanês. O tratamento dele foi o de maior valor na lista disponível no Portal da Transparência: R$ 785,3 mil.
No ano anterior, o atual presidente da CGL (Comissão Geral de Licitação), Epitácio de Alencar e Silva Neto, também recebeu tratamento especializado no Sírio-Libanês, que custou mais de R$ 46,4 mil ao Estado, conforme nota de empenho datada de agosto de 2014.
Em 2013, figuras públicas como o vereador licenciado e atual secretário municipal de esportes de Manaus, Sildomar Abtibol, estiveram na unidade de saúde. O tratamento do vereador superou os R$ 250,8 mil. No mesmo ano, o prefeito de Santa Isabel do Rio Negro, Mariolino Siqueira de Oliveira, ingressou na lista de beneficiados, gerando custos divididos em duas parcelas: R$ 283,2 mil e R$ 24,1 mil, entre janeiro e abril. Mariolino teve o mandato cassado na semana passada pelo TRE-AM (Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas).
O ex-secretário de Saúde da Susam, Tancredo Castro Soares, teve um tratamento caro de saúde custeado pelos cofres públicos, que chegou a R$ 200,8 mil. Ele recebeu assistência no mês de setembro de 2013. Até o irmão da primeira-dama de Manaus, Goreth Garcia, Francivaldo Garcia, consta na lista de pacientes do Sírio-Libanês. A conta oriunda do tratamento de Valdo Garcia, como é conhecido no meio político, foi de R$ 127,6 mil.
Por último, Fabianno Pessoa Figueiredo, paciente com o mesmo sobrenome da presidente do TJAM, Maria das Graças Pessoa Figueiredo, passou por tratamento para combater uma leucemia na unidade hospitalar, conforme aponta o descritivo de um dos valores empenhados pela secretaria. Os sete pagamentos feitos pela Susam para o tratamento dele totalizaram R$ 271,7 mil. O AMAZONAS ATUAL apurou que Fabianno é sobrinho de Graça Figueiredo.
Os tratamentos prestados incluíram serviços de urgência e emergência, ambulatoriais, laboratoriais e até odontológicos. Em nenhum deles houve licitação para a contratação dos serviços do hospital Sírio-Libanês.
Segundo a portaria 55 da Secretaria de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde, o Tratamento Fora de Domicílio (TFD) é uma ferramenta legal concedida ao cidadão quando o tratamento que ele necessita não está disponível no município em que vive. Entre os critérios, está que o benefício deve ser destinado a pacientes do SUS (Sistema Único de Saúde).
A reportagem entrou em contato com a Susam para solicitar quais critérios são adotados para a escolha dos pacientes que recebem o benefício no no hospital Sírio-Libanês. Os questionamentos foram feitos na tarde de sexta-feira, mas até o fechamento da matéria a Susam não encaminhou resposta.
Veja alguns dos beneficiados:
Domingos Jorge Chalub Pereira
- R$ 63,4 mil em setembro de 2015
Sebastião Andrade Machado
- R$ 29,8 mil em dezembro de 2014 (pagamento feito no ano seguinte)
- cassado
- R$ 12,7 mil em março de 2015
- R$ 83,8 mil em maio de 2015
- R$ 235,1 mil em setembro de 2015
Maria de Fátima Barreira Castelo Branco
- R$ 12,4 mil em fevereiro de 2015
- R$ 10,8 mil em março de 2015
- R$ 6,6 mil em abril de 2015
- 27,1 mil em abril de 2015
- R$ 119,8 mil em maio de 2015
- R$ 43,9 mil em setembro de 2015
Rebeca de Brito Schramn
- R$30,8 mil março de 2015
Washington Régis
- R$ 191,3 mil em março de 2015
Alexandre Deneriaz Papaleo
- R$ 785,3 mil em julho de 2015
Maria das Graças da Costa Vieira
- R$ 130,3 mil em setembro de 2015
Epitácio de ALencar e Silva Neto
- R$ 46,4 mil em abril de 2014
Sildomar Abtibol
- R$ 250,8 mil em 2013
Mariolino Siqueira de Oliveira
- R$ 283,2 mil em fevereiro de 2013
- R$ 24,1 mil em abril de 2013
Tancredo Castro Soares
- R$ 182,5 mil em setembro de 2013
- R$ 18,2 mil em setembro de 2013
Francivaldo Garcia
- R$ 37,9 mil em novembro de 2013
- R$ 89,6 mil em dezembro de 2013
Fabianno Pessoa Figueiredo
- R$ 38,3 mil em fevereiro de 2013
- R$ 53,7 mil em abril de 2013
- R$ 2,7 mil em abril de 2013
- R$ 31,6 mil em setembro de 2013
- R$ 19 mil em setembro de 2013
- R$ 110,8 mil em outubro de 2013
- R$ 18,2 mil em novembro de 2013
Questões não respondidas
O AMAZONAS ATUAL enviou as seguintes perguntas para a Susam, na sexta-feira, 29, mas até o fechamento da matéria não houve resposta.
1) Qual o critério para a Susam autorizar o tratamento de pacientes no hospital Sírio-Libanês?
2) Por que autoridades são “mandadas” para fora do Estado para tratamento em instituição particular de doenças cujo tratamento é oferecido na rede hospitalar de Manaus?
3) Há uma fila para atendimento fora de domicílio, em especial para o Sírio-Libanês, como há fila para cirurgias eletivas na rede de atendimento do Estado?