A execução penal no país é uma dessas graves questões que se arrastam pendentes de maneira crônica. As soluções parecem nunca alcançar os problemas, expondo o Judiciário, a Administração penitenciária e mesmo a Polícia a reiterados erros, riscos de toda ordem, reprovação social e inúmeras tensões. Dentre essas situações, deve-se ressaltar o estado extremo de permanência de presos de justiça em Delegacias de Polícia.
A condição dos presos condenados e provisórios à disposição do Judiciário, depositados indefinidamente em Delegacias de Polícia, é de tal modo degradante e miserável que, além de afrontar a legislação penal e, de igual modo, as atribuições funcionais dos policiais que se convertem em carcereiros, constitui um dos mais graves flagrantes de violação à dignidade da pessoa humana no país.
Ao depararmo-nos com os objetivos e as exigências da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal – LEP), constata-se as precárias condições dos estabelecimentos penais do sistema carcerário. No entanto, a realidade da execução penal torna-se horrenda quando se consideram as condições dos presos mantidos indefinidamente em Delegacias de Polícia.
Se mesmo em presídios convencionais a precariedade existe, o que dizer das condições físicas, logísticas, de higiene, de alimentação, de assistência e de segurança dos que estão presos permanentemente depositados em unidades de Polícia Judiciária? Não há como comparar. A situação nas Delegacias é extremamente insalubre, insegura, amplificadora de riscos, de ameaças e de violências, além das precariedades logísticas. As assistências previstas na LEP, quando ocorrem, são comumente aviltadas e expõem os policiais a inúmeros riscos de eventos de violência e de insegurança.
Os policiais que trabalham em Delegacias com depósito de presos “permanentes”, sejam eles à disposição do Judiciário sejam condenados, estão diuturnamente sob ameaças e riscos de violência extrema. Eles correm maior risco de sofrer violência ou morte do que um agente penitenciário ou agente de carceragem, uma vez que o policial que trabalha em Delegacia com presos sequer está minimamente distanciado dos mesmos. Num presídio convencional há celas, corredores e pavilhões com trancas e obstáculos, que oferecem algum resguardo aos agentes do cárcere, o que não existe numa Delegacia de Polícia.
Outro impacto extremante danoso à população, a qual demanda ações de polícia para combater a insegurança pública, é que, precarizando as funções de Polícia Judiciária, os policiais civis ficam impedidos de se deslocarem da Delegacia para apurar fatos e casos, que demandam a devida investigação criminal, porque tem que atuar como carcereiros e tomar conta dos presos. Os policiais acabam sendo prejudicados no exercício de seu dever funcional, impossibilitados de exercer suas atribuições legais. Um grave desvio de finalidade, com descaracterização da atividade de Polícia Judiciária, que custa caríssimo à sociedade, ao Estado, à saúde e segurança dos próprios policiais civis.
Por conta desses motivos, a retirada de presos das Delegacias de Polícia é providência essencial, urgente e imprescindível à segurança da população, dos policiais e à efetividade de instituições públicas fundamentais, como a Polícia Civil, a Defensoria, o Ministério Público e o Judiciário.
Na cidade de Manaus, esse grave problema teve solução em meados da década passada, a partir do ajuste firmado entre diversas instituições (Associação dos Delegados de Polícia, Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Polícia Civil e Administração Penitenciária estadual) no sentido de acelerar a retirada de presos depositados em Delegacias da capital. Para tanto, elaborou-se um calendário com vistas à conclusão de obras de estabelecimentos prisionais, a fim de receber os presos antes depositados em Delegacias. A partir disso, proibiu-se o uso das Delegacias, em Manaus, para custodiar os presos além do tempo necessário para conclusão dos procedimentos policiais. Porém, na maioria dos municípios do interior do Amazonas, o dramático problema da permanência indefinida de presos em Delegacias de Polícia ainda persiste.
Enfim, muito frequentemente, a problemática toma maior dimensão, gerando tensões na população e mesmo entre autoridades estaduais de diferentes instituições. Tais situações acabam por ressaltar a urgente necessidade de se construir soluções, mesmo em meio à crise econômica, que viabilizem o mais brevemente possível a retirada de presos depositados indefinidamente em Delegacias de Polícia. É essencial medida tardia, mas que demora a ser providenciada, ainda mais quando se leva em conta os fins da execução penal e a dignidade da pessoa humana.
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