MANAUS – Santo Antônio do Içá, município de 24 mil habitantes distante 878 quilômetros de Manaus, é um caso típico dos desmandos e da falta de atuação dos órgãos de controle nos municípios do Amazonas. No dia 22 de janeiro de 2014, o promotor de Justiça José Augusto Palheta Taveira Júnior instaurou dois inquéritos para apurar denúncias de irregularidades, uma de nepotismo e outra de contratação de funcionários sem concurso público. Passado um ano e três meses, a situação está pior do que por ocasião das denúncias sem que o Ministério Público do Estado do Amazonas ingressasse com qualquer ação contra o prefeito Abraão Magalhães Lasmar (PMDB).
As denúncias foram feitas por um cidadão de Santo Antônio do Içá que participou de um concurso público em 2011 realizado pela prefeitura do município, ficou no cadastro reserva e nunca foi chamado. Ao ver que pessoas ligadas às autoridades (prefeito, vice-prefeita e vereadores) estavam sendo colocadas nos cargos que deveriam ser ocupados por quem se submeteu e foi aprovado em concurso público, Clauderley Lofiego Cacau decidiu levar o caso ao Ministério Público. Um termo de declaração foi registrado no dia 14 de janeiro de 2014.
Nepotismo
Entre as informações e documentos entregues ao promotor estavam casos de nepotismo (emprego de parentes) praticado pelo prefeito Abraão Magalhães Lasmar e pela vice-prefeita Suzana Maria da Costa Portela. Magalhães empregava três primos e dois sobrinhos como subsecretários ou em cargo comissionado na prefeitura, além de um irmão. A vice-prefeita tinha um irmão e uma irmã em cargos de confiança, conforme a lista abaixo:
Osmar Lasmar Ferreira, sobrinho do prefeito, exercia cargo de subsecretário de Finanças;
Guilherme Fernando Lasmar Ferreira, sobrinho do prefeito, exercia cargo de subsecretário de Administração;
Avaía Numes Magalhães, prima do prefeito, exercia cargo de subsecretária de Educação;
Wayner Rabelo Magalhães, primo do prefeito, exercia cargo de subsecretário de Obras;
Cristóvão Magalhães Lasmar, irmão do prefeito, é representante da prefeitura em Manaus;
Leonel Magalhães de Souza, primo do prefeito, exercia cargo de chefe do Setor de Pessoal;
Suzete do Socorro Ribeiro da Costa, irmã da vice-prefeita, exercia cargo de subsecretária de Educação;
Hudson Ribeiro da Costa, irmão da vice-prefeita, exercia cargo de assessor executivo 2, no gabinete do prefeito.
Ao instaurar inquérito para apurar as denúncias, o promotor Taveira Júnior notificou o prefeito Magalhães para que exonerasse os parentes. Uma portaria com a exoneração, no entanto, só foi publicada no fim do ano passado, no dia 10 de novembro de 2014 (veja abaixo). Na lista de exonerados estavam Suzete do Socorro Ribeiro da Costa, Guilherme Fernando Lasmar Ferreira, Wayner Rabelo Magalhães, Osmar Lasmar Ferreira, Leonel Magalhães de Souza, além do subsecretário de saúde Altair Gouvêa Júnior.
Volta por cima
O problema aparentemente resolvido, na verdade, foi apenas maquiado. Praticamente todos os exonerados estão exercendo cargos ganhando os mesmos salários. Suzete do Socorro voltou ao cargo de professora (ela tem duas cadeiras) e Avaía Magalhães não aparece mais na folha de pagamento da prefeitura. Guilherme Fernando está no cargo de agente administrativo, recebendo os mesmos R$ 3 mil de salário que ganhava como subsecretário (na mesma folha de pagamento, outra pessoa no mesmo cargo recebe R$ 1,7 mil, e foi admitida em 2017, enquanto a admissão de Guilherme é de 2012); Wayner Magalhães ainda aprece na folha de pagamento de dezembro no cargo de subsecretário; Osmar Lasmar Ferreira está lotado no gabinete do prefeito como técnico em contabilidade, também como mesmo salário que recebia como subsecretario de Finanças; Leonel Magalhães de Souza é contratado da Seduc desde 2007 como músico, e voltou ao cargo depois de exonerado, mas o salário dele é o mesmo de chefe do Setor de Pessoal. O irmão da vice-prefeita também sumiu da folha de pagamento. As informações sobre lotação e salários dos servidores estão no Portal da Transparência do município.
O promotor foi comunicado pelo denunciante da nova configuração dos cargos exercidos pelos parentes do prefeito e dos salários. O promotor pediu que ele formalizasse nova denúncia, na promotoria de Santo Antônio do Içá. Clauderley Cacau está morando em Manaus com a mulher e afirma que é difícil para ele fazer uma viagem ao município para formalizar nova denúncia. O promotor está de férias e não atendeu às ligações da reportagem.
Outros casos
No documento apresentado à promotoria, Clauderley Cacau apresenta outros casos de imoralidade na contratação de parentes de ex-prefeitos e vereadores de Santo Antônio do Içá. São casos, segundo o documento, de funcionários fantasmas que recebem vencimentos, mas não exercem suas funções no município.
Como exemplo, ele cita a mulher do vereador Eron Garcia (PT), Vladslávia Gean Mafra, que aparece na folha como agente administrativo da Secretaria de Educação, mas morava em Manaus à época da denúncia. Outros que estavam morando em Manaus e que também tinham cargos na prefeitura eram Edilbem de Souza Ruas, sobrinho do ex-prefeito Antunes Ruas (cargo de agente administrativo no gabinete do prefeito) e Christina Amaral da Costa, mulher do então presidente da Câmara, José Gouvêa (PSD). Outros oito servidores também moravam em Manaus ou fora do Estado e estavam na folha da prefeitura (veja o documento abaixo).
O vereador José Gouvêa explicou que a mulher dele é técnica de enfermagem concursada e está em Manaus porque faz faculdade de Enfermagem. Segundo o parlamentar, Christina Amaral da Costa não está liberada, mas dá expediente na casa de apoio da Prefeitura de Santo Antônio do Içá em Manaus. “Essa questão foi discutida com o promotor, que disse não haver qualquer problema. A situação dele está em conformidade com a lei”, disse Gouvêa.
A reportagem tentou contato com o prefeito Abraão Magalhães Lasmar, mas ele não atendeu às ligações. O representante da prefeitura em Manaus, Cristóvão Magalhães Lasmar também não atendeu às ligações em dois telefones. Uma terceira tentativa de contato, com o chefe de gabinete do prefeito, Alberto Mafra, também foi frustrado: ele não atendeu às ligações.
Contratos sem concurso
No termo de declaração assinado pelo denunciante no Ministério Público também estão listados diversos casos de contratação de pessoas para cargos na administração municipal que deveriam ser ocupados por quem passou no concurso de 2011. Ou casos de pessoas que ficam bem atrás na lista dos concursados, mas que foram chamados primeiro do que quem estava na frente (abaixo, o documento)
Abaixo, a portaria do prefeito exonerando os parentes: