
Por Thiago Gonçalves, do ATUAL
MANAUS – O Plano Nacional de Logística 2025 (PNL 2025), elaborado pela EPL (Empresa de Planejamento e Logística), reconhece a importância estratégica da BR-319 e das hidrovias no Amazonas, mas não as inclui no projeto. A rodovia federal que interliga Manaus a Porto Velho (RO) gerou uma briga judicial que persiste há décadas.
O impasse envolve o reasfaltamento do trecho do meio, com extensão de 405,7 km que liga o km 250,7, pouco antes do rio Igapó-Açu, ao km 656,4, no entroncamento com a BR-230 em Humaitá, no Amazonas. O governo exige o cumprimento de análise ambientais sobre danos ao longo da rodovia enquanto políticos defendem a recuperação do trecho crítico.
Para especialistas ouvidos pelo ATUAL, a ausência da BR-319 no PNL confirma uma negligência histórica e descompasso com os objetivos de integração nacional. O professor Augusto César Barreto Rocha, da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), que é doutor em Engenharia de Transportes, diz que o plano apenas reforça um padrão histórico de desigualdade.
“O Plano Nacional de Logística tem negligenciado o Amazonas desde sempre. Essa omissão reforça a centralização dos investimentos logísticos nas regiões mais desenvolvidas do país”, afirma.
Augusto César diz que o custo logístico da Amazônia é desproporcional e compromete tanto o abastecimento interno quanto a competitividade da Zona Franca de Manaus. “Por vezes, e tipicamente, é mais barato transportar um contêiner de Xangai para Santos do que de Manaus para Santos. É mais caro viajar de avião entre Porto Velho e Manaus do que entre Manaus e Lisboa”, compara.
Segundo ele, o problema está na ausência de portos no interior, na precariedade das vias de acesso e na inexistência de um plano de modernização hidroviária. “Temos rios, mas não hidrovias estruturadas. A BR-319 é uma rodovia sem asfalto que sempre se empurra para o futuro. É a região do futuro, mas é um futuro que nunca chega”.
Para o economista Luiz Antônio Pagot, consultor em infraestrutura e logística e ex-diretor-geral do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), a recuperação da BR-319 é essencial, não apenas para escoar a produção, mas para garantir acessibilidade e segurança logística durante períodos de estiagem severa.

“A BR-319 é importante para a integração ao território nacional, desenvolvimento do turismo e como alternativa ao transporte de cargas na época das secas dos rios, principalmente com adventos climáticos mais intensos e sucessivos. Está sendo postergada indefinidamente por casuísmo ambiental”, afirma.
Pagot diz que a trafegabilidade da rodovia impactaria positivamente na redução dos preços de produtos básicos. “Contribuirá para a redução de custos dos alimentos, remédios, produtos de limpeza e materiais para construção civil. E traria uma alternativa competitiva para o transporte da produção do Amazonas”.
Hidrovias: discurso e realidade
Embora o PNL 2025 classifique as hidrovias dos rios Solimões-Amazonas e Madeira como “sem restrições de capacidade”, os dois especialistas alertam que essa definição é apenas formal.
“Considero apenas retórica. Na realidade, são trechos que precisam de estudos permanentes, atualização de cartas de navegação, balizamento e sinalização para navegabilidade com segurança o ano todo”, afirma Pagot. Augusto César Rocha reforça: “O que temos são rios, não hidrovias estruturadas. A classificação de ‘sem restrições’ não garante que a demanda futura será atendida, principalmente com o aumento da movimentação de grãos e combustíveis”.
Ambos defendem a criação de uma política nacional de modernização fluvial, com portos municipais, sistema eletrônico de navegação e manutenção periódica.
Apesar do potencial logístico, não há previsão de dragagens, melhorias estruturais ou ampliação de terminais fluviais no Amazonas. As hidrovias aparecem apenas como rotas consolidadas em simulações de fluxo de carga, sem projetos de intervenção previstos no plano federal.

Rocha entende que a exclusão da BR-319 do PNL não se deve a entraves técnicos ou ambientais, mas à falta de vontade política. “É uma questão política. Não é ambiental nem de excesso de zelo. Há uma falta de ações ambientais estruturadas. E isso gera uma falsa sensação de segurança”.
Pagot vai na mesma linha e raciocínio e cita a ausência de articulação governamental. “O que impede é a decisão política e o planejamento coordenado de ações”.
Plano ignora a Constituição
Para os dois analistas, o PNL 2025 falha em seu papel de projeto de Estado e fere princípios constitucionais ao não buscar a redução das desigualdades regionais. “O plano está centrado nos interesses da região mais rica do Brasil. Isso contraria o preceito constitucional de redução das disparidades regionais”, afirma Rocha.
“Diminui a atratividade de investimentos. Não temos hidrovias, nem ferrovias. A precariedade logística é nacional, mas aqui é agravada pela omissão completa de obras estruturantes”, completa Pagot.
Rocha cita a exclusão da sociedade no debate. “Na audiência pública em Manaus [4º Encontro Regional do Plano Nacional de Logística 2050, realizado no dia 30 de abril], só uma pessoa falou. Fui eu. Tive 15 minutos de fala. Não é um debate real. É uma exposição do plano, e pronto”.
A ausência de ações estruturantes, segundo os especialistas, compromete o desenvolvimento de longo prazo do Amazonas. E essa falha, afirmam, não será corrigida sem um compromisso genuíno do Estado brasileiro com a região.
“A BR-319 impacta na acessibilidade de Manaus, Porto Velho e Boa Vista. Ela integra as localidades, amplia o acesso rodoviário e ajudaria a reduzir os custos de frete em períodos críticos”, explica Augusto César Rocha.
“Não temos portos no interior, não temos voos regulares, não temos intermodalidade. E, o pior: não temos tempo para refletir a Amazônia. Tudo vira cronograma, despacho, apresentação. Mas sem escuta”, conclui.
Obras concretas
A BR-319 aparece apenas na Carteira de Estudos do PNL com um trecho de 807,1 km entre Careiro e a divisa com Rondônia. Segundo o documento, o segmento está “em estudo”.
Há também menção à execução da restauração da BR-319 (Porto Velho–Manaus) feita por meio de contribuições recebidas durante a consulta pública. No entanto, essa sugestão foi classificada como ponto a ser apreciado futuramente, sem definição de prioridade no PNL.
O presidente da Associação dos Amigos e Defensores da BR-319, André Marsílio, criticou a ausência de ações concretas no PNL 2025 para a rodovia federal e cobrou postura firme dos parlamentares da região.
“O Plano Nacional de Logística coloca a BR-319 como importante, mas não prevê ações concretas, não coloca cronograma, não coloca metas, não diz o que vai ser gasto. Então, não é prioridade”.
Ele citou que promessas em torno da BR-319 costumam reaparecer apenas em períodos eleitorais. “Ao longo dos anos, temos visto um ensaio pré-eleitoral de muitos parlamentares e de movimentos que se dizem defensores da BR-319. Sempre é mais difícil, sempre mais complicado”.
Marsílio defende que prioridade real se mede por ação concreta. “Prioridade é dizer: vamos começar amanhã, com a primeira parede. O resto é discurso vazio”.
Por fim, ele fez um apelo aos parlamentares eleitos na região. “O Amazonas e Roraima vivenciaram uma seca severa. Vamos enfrentar outra no fim do ano. Como fica a logística? Onde está o plano emergencial da BR-319? Fica aqui a nossa cobrança para que nossos parlamentares exijam uma ação concreta no PNL”.
Confira o Plano Nacional de Logística na íntegra.