Por Michelle Portela, especial para o Atual
MANAUS – Apesar de colossal, o pirarucu (Arapaima gigas) quase desapareceu dos rios e lagos amazônicos. Maior peixe de água doce do mundo e nativo da Amazônia, o peixe esteve à beira da extinção quando foi vítima de sobrepesca, mas a implantação do manejo da espécie em áreas protegidas não apenas reverteu esse quadro, como também ampliou a renda do pescador. Atualmente, o peixe pode atingir até três metros de comprimento e pesar 200kg, e rende cerca de 1,5 milhão a moradores de áreas protegidas.
A pesca manejada do Pirarucu hoje está presente em 34 áreas protegidas e/ou com Acordos de Pesca devidamente autorizados pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Em todo o país, o manejo está presente em unidades de conservação ambiental estaduais e federais, terras indígenas e áreas com acordos de pesca. Só podem ser pescados, entre junho e novembro, os peixes com peso acima de 1,5 metros, dentro das áreas autorizadas para o manejo e com protocolos desenvolvidos e implementados em comum acordo pelos gestores da reserva, pesquisadores do instituto de mesmo nome e os moradores das comunidades existentes na área protegida.
Unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá realiza os cursos de contagem de pirarucus e certificação desde os anos 2000. As capacitações são ministradas por técnicos e pescadores treinados e com longa experiência no manejo.
Até parece história de pescador, mas não é: contar pirarucu é saber antigo, compartilhado entre gerações na Amazônia rural. A contagem é a estimativa do número de pirarucus em um lago, feita “no olho”, graças à habilidade do pescador ou pescadora. Conhecimento tradicional que foi aliado à ciência e hoje é uma etapa essencial do manejo sustentável da espécie. O Instituto Mamirauá realiza treinamentos para formar contadores de pirarucu e certifica aqueles que estão preparados a seguir na atividade.
“Costumamos dizer que o treinamento começa desde a infância do pescador e é uma aprendizagem que culmina na certificação de contadores”, afirma Jovane Marinho, técnico do Instituto Mamirauá. “Todos que chegam ao curso já trazem uma carga de experiências, a equipe técnica oferece orientações sobre a biologia do pirarucu e para a execução da contagem de acordo com a metodologia do manejo”.
O pescador que alcançar uma margem de erro inferior a igual ou inferior a 30% em relação a quantidade de peixes capturados no arrasto, é certificado como um contador oficial de pirarucus.
“Graças a Deus eu consegui a minha certificação, isso foi um prazer enorme pra mim”, diz Valdir Rodrigues, pescador do Rio Unini, do município de Barcelos. “Pra mim foi um grande desafio porque na nossa área lá os lagos não têm capim. Com o capim, a gente não vê o peixe boiar, temos que usar bastante a audição, porque o espaço ‘do limpo’ (sem vegetação) é bem pouco. Mas essa é a terceira vez que eu participo do curso, já tinha me preparado bastante pra essa certificação”.
Segundo relatório do Instituto Mamirauá, em 2018 o manejo do pirarucu rendeu R$ 1.566.309,50 em Mamirauá e Amanã, valor distribuído entre mais de 700 pescadores. Com a pesca sustentável, a população do peixe saltou de 2.507 espécimes em 1999 para 190.523 em 2018.
Com a comercialização, cada pessoa envolvida teve rendimento médio bruto de R$ 2.166,40. Incluindo a venda de outras espécies de valor comercial, como o tambaqui, o desempenho do manejo de pesca na região foi de mais de R$ 2 milhões de reais.
“As condições mudam de ambiente para ambiente”, comenta a coordenadora do Programa de Manejo de Pesca do Instituto Mamirauá. “Lá no Unini eles têm lagos desprovidos de vegetação. E aqui no Jarauá, o pescador se deparou com lagos repletos de capim. A ideia dessa capacitação é treinar a pessoa, verificar a acurácia dela na contagem, porque com certeza após essa certificação, o pescador estará apto a fazer a contagem não só em sua área origem, mas em qualquer outra pra qual foi convidado a desenvolver seu trabalho”.
Entenda como é feita a contagem
Posicionados às margens do lago ou em cima de canoas, os contadores anotam quantos pirarucus emergem à superfície da água para “respirar”, movimento chamado popularmente de “boiada”. A contagem acontece durante a vazante dos rios, quando os lagos da região se formam, em áreas de 2 hectares (20 mil metros²) e em períodos de 20 minutos. São registrados apenas pirarucus acima de 100 centímetros de comprimento, de acordo com as diretrizes do manejo sustentável.
“A contagem de pirarucu é fundamental para o manejo, porque fornece a base de dados para o estabelecimento das cotas de pesca a cada ano”, reforça Ana Cláudia. “O manejador interage diretamente com o recurso quando determina o quanto pode ser pescado sem prejudicar a população de pirarucus”. Os dados das contagens são encaminhados ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), que autoriza a taxa anual da pesca manejada de pirarucu.
O método só é possível porque o pirarucu, maior peixe de água doce de escama do mundo, tem respiração aérea obrigatória, precisando subir à superfície em busca de oxigênio. É quando o animal fica visível e a contagem é feita.