A sociedade cultiva padrões de comportamento que são ditados de forma indistinta a todos os seus membros. São os chamados ‘mores’ e ‘folkways’, estudados pela Sociologia. A infração a essas normas implica em desaprovação moral e em sanções que são impostas ao transgressor pelo conjunto do corpo social.
Mede-se o grau de permissividade da sociedade pela tolerância com que admite a violação de suas regras de conduta. No Brasil atual, como se pode observar pelos fatos que têm marcado a história contemporânea, experimentamos índices graves de licenciosidade, com resultados preocupantes e que levam à esgarçadura do tecido social.
Lembro que lá atrás não havia indulgência sequer com os ladrões de galinha e qualquer violação a procedimentos elementares recebia pronta condenação da população. E o autor do malfeito logo passava a ser malvisto e sofria um processo de segregação, mesmo sem passar por qualquer condenação de ordem legal. Continuava em liberdade, mas com sérias restrições, isolado em grande parte da vida em sociedade.
E a coerção social vinha de todos os estamentos e classes, dos mais pobres aos mais ricos. Havia pressão no sentido do bom comportamento e do respeito aos códigos estabelecidos, com vistas à constituição de uma sociedade fundada na ética e na moral coletiva. Em certos casos, tinha-se algum exagero, no tocante a determinadas opções pessoais e íntimas, agora superadas, porquanto marcadas pelo preconceito e pela intolerância.
Fora das excepcionalidades aceitáveis, uma vez historicamente vencidas, o que se vê é o país mergulhando na escuridão, um caminho que parece não ter volta. Ao infringir as normas sociais e legais, o delinquente continua lépido e fagueiro, sem nenhum tipo de reprovação de natureza social, que em certas situações seriam mais pesadas do que a própria sanção legal, imposta pelo ordenamento jurídico.
Nos três poderes da República e nas três esferas da Federação, assalta-se o erário e os crimes mais torpes são cometidos sob o manto da impunidade. Fora do eixo dos três pês (pobres, pretos e prostitutas) e de quem vive nos estratos inferiores da pirâmide social, contam-se nos dedos aqueles que são realmente punidos no Brasil. Não há um dia que não se tenha na mídia um escândalo envolvendo figurões do ‘grand monde’, egressos do imbróglio criminoso para pontificar nas colunas sociais, em jantares, celebrações e reuniões de gala, com a maior cara de pau do planeta.
No universo da política, a convivência é nefasta e das mais promíscuas. Vale o voto e quem tem voto. Pouco importa quem dá o voto, quem carrega os camburões eleitorais, se pedófilo, corrupto, bicheiro, traficante, proxeneta ou seja lá o que for.
O caso de Coari é emblemático e de extrema violência. Arrasta-se por anos e anos nos escaninhos do crime sem castigo, tendo como protagonista a figura doentia e horrorosa do prefeito Adail Pinheiro. E é bom que se ressalte, sempre eleito pelo povo e em várias eleições. Em seu apoio teve e tem a companhia de nomes exponenciais do poder local e nacional, a partir do ex-presidente Lula da Silva. E, ontem como hoje, nunca ninguém revelou nenhum constrangimento em posar ao seu lado, em público e em privado. O quadro geral é de uma patologia repugnante. Embora de amplo conhecimento público, a verdade é que sem a reportagem-denúncia, levada ao ar pelo Fantástico da Rede Globo, o silêncio continuaria pairando sobre a agressão sem limites contra meninas inocentes e extremamente vulneráveis, na mais dolorosa e conivente omissão.
A permissividade é geral. Aliada ao ínsito cinismo, é também enfermiça. Veja-se o que acontece com a campanha de arrecadação de fundos pelo Brasil afora para o pagamento das multas dos mensaleiros condenados pela Justiça. Trata-se de um acinte, o cúmulo do despudor. Sob a ótica da vileza petista são heróis a caminho da prisão, de punhos cerrados, tidos e havidos como injustiçados, na contramão de provas evidentes e irrefutáveis dos pesados delitos efetivamente praticados.
É incrível, mas até um ex-ministro da Justiça e do Supremo Tribunal Federal, o grandalhão e empolado gaúcho Nelson Jobim, participou da vaquinha em favor de Genoíno. E a iniciativa é nacional. Agora já vem o Delúbio de pires na mão e em seguida os coitadinhos do Dirceu e do João Paulo Cunha, tudo sob o patrocínio oblíquo do poder, que bem poderia estender a mesma atitude em benefício do lobista Marcos Valério, da banqueira Kátia Rabello e de tantos outros da trupe dos apenados.
Nessa gangorra da vergonha, tão cedo estarão de volta, comensais do domínio do Estado e diante dos olhares complacentes da sociedade, que perdeu por completo sua capacidade de indignação. Uma tragédia típica do subdesenvolvimento e da insensatez.