
Por Milton Almeida, do ATUAL
MANAUS – Políticos de 12 capitais, a maioria dos partidos União Brasil e PL (Partido Liberal), apresentaram projetos de lei para proibir shows de artistas com músicas que fazem apologia ao consumo de drogas, ao sexo e ao crime organizado. São vereadores, deputados estaduais e federais, e um senador que defendem a proibição. Cantores de rap [Rhythm and Poetry – Ritmo e Poesia] e o funk são os alvos principais das ofensivas.
Para o sociólogo Luiz Nascimento, o fato de parlamentares de partidos da extrema-direita apresentem projetos de lei contra os estilos de música rap e funk demonstra que “não têm projeto para a sociedade” e é uma estratégia para criar medo e ódio na população.
“O problema está na escola, que não consegue alfabetizar a criança na idade certa. O problema está nas pessoas que não têm moradia, porque não têm uma política municipal e estadual de moradia. É um problema que tem sido assumido só pelo governo federal”, diz o sociólogo.
“A estratégia é criar factoides para que as pessoas se coloquem no lugar e digam ‘meu Deus, olha o perigo que é isso’. Se você pegar a história da música brasileira, você vai encontrar músicas sexualizadas e de cunho violento. O Roberto Carlos desejava que tudo vá para o inferno. Quero que você me aqueça no inverno”, complementa.
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Para Luiz, os adolescentes conseguem discernir em que medida que aquelas músicas são ou não adequadas. “Olha as músicas do grupo É o Tcham, por exemplo. Ninguém se tornou um criminoso, ninguém se tornou um pederasta porque ouviu a música. Para concluir, ao mesmo tempo que eles querem proibir o funk e o rap, estão querendo anistia para favorecer pessoas que colocam bombas”, diz.
Para Samantha de Marilac, psicóloga e especialista em Teoria Cognitiva Comportamental, a proibição sozinha não resolve problemas. A solução principal é a informação de forma correta e imparcial.
“Vivemos em sociedade. E entendemos que por vários momentos os conservadores alegam que a imposição de valores, como família e religião, é o melhor para o convívio de forma satisfatória e correta da sociedade. Na atualidade, os pais estão se distanciando de seus filhos por conta de suas atividades laborais. O ideal é trabalhar em casa sobre as regras da família, o que os pais entendem o que é correto para aquele determinado grupo familiar. A partir do momento que se consegue trabalhar sobre essas regras, você consegue distinguir o que seria considerado uma música de boa ou má qualidade”, diz Marilac.
A psicóloga defende que a formação dos jovens deve ter a supervisão dos pais para que eles possam distinguir o lado ruim e bom do funk e do rap, ou entenderão que aquele estilo musical não lhes cabe.
“O proibido acaba se tornando interessante, desejável, e dependendo de como foi conversado tais questões no âmbito familiar, não é adequado dispensar a supervisão, por mais que nem sempre seja possível o impedimento de contato com esses artistas. A proibição nem sempre vai ser efetiva, mas a orientação e informação sempre precisam estar presentes”, diz Samantha.
Para Ivânia Vieira, doutora em Processos Socioculturais e especialista em Educação e Cultura, e professora da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), o fato de parlamentares apresentarem projetos de lei criminalizando artistas não é uma coincidência.
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Para Ivânia, existe no Brasil uma “gestão nacionalizada” ligada a um projeto de “poder parido da junção de líderes” da política, da religião e de organizações sociais, que têm como elementos comuns o conservadorismo e a radicalização da moral e dos costumes, uma “tendência da direita no Brasil”, conectada com outras regiões do mundo.
“Parlamentares têm, como representantes da população, verificar as áreas de risco onde vivem e morrem milhares famílias, as condições de saúde, do acesso à educação, dos transportes públicos, da segurança pública ou da criação e defesa de áreas verdes nas cidades, na melhoria do IDH (Índice do Desenvolvimento Humano) desses lugares”, diz Vieira.
Para a professora, as barreiras que existem no mundo não são somente as econômicas e as geográficas, mas também no pensamento, na forma de expressar-se, no sentir e na maneira de transformar o mundo, que são “reduzidas ao silêncio ou à deformação”.
“Enfim, quando se dedicam (os parlamentares) a instituir meios para censurar e perseguir a arte e artistas, prestam-se a um desserviço perigoso que pode empurrar o Brasil a um gueto e a uma estrutura pública de perseguição. Esses legisladores colocam-se como arautos da moral e da honra, e ao lado dos que historicamente criminalizam as artes da periferia socioeconômica”, afirma.