Já se passaram 150 anos do início da Guerra do Paraguai (1864-1870) e ainda há controvérsia entre historiadores sobre os motivos que levaram o ditador paraguaio Francisco Solano López a dar início ao maior conflito armado da América Latina. O Paraguai lutou contra a Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) e acabou derrotado. Até hoje o país não se recuperou plenamente das consequências da guerra. Na semana passada, o noticiário global trouxe a atualização do número de empresas de capital brasileiro – são quase 100, há um ano eram 20 – que já desfrutam das vantagens que o Governo Paraguaio com a Lei de Maquila. Os principais benefícios são tributários. O artigo 29 da Lei Paraguaia nº 1064/2000, as empresas estrangeiras instaladas no Paraguai sob contrato de Maquila estão sujeitas a um imposto único de apenas 1% sobre as mercadorias manufaturadas que deixam o país, enquanto as operações sob a Lei de Maquila estarão isentas de tributos nacionais, estaduais ou municipais. São apenas 384 horas para atender a sanha tributária enquanto no Brasil, gastam-se 2,6 mil horas de trabalho. E os encargos trabalhistas daquele país vizinho são substantivamente menores. Enquanto isso, pela Ponte da Amizade, o contrabando de mercadorias é responsável por tirar cerca de R$ 100 bilhões do mercado formal brasileiro todos os anos, desconstruindo as indústrias que aqui ficam. Parece tudo uma brincadeira, de extremo mau-gosto, e por falar em brincar, fundada e m 1937, a Estrela, uma das mais tradicionais indústrias de brinquedos do Brasil, não resistiu aos custos e resolveu abrir fábricas no Paraguai. O motivo, segundo o presidente da empresa, Carlos Tilkian, foi fugir dos impostos e das leis trabalhistas do Brasil, que, segundo ele, aumentam o custo de produção. O Brasil pôs o foco nos programas sociais e passou a punir quem oferece empregos à sociedade.
A pirataria e a desintegração setorial
O conselheiro do CIEAM, Amauri Blanco, líder empresarial do setor de CDs e DVDs, ao comentar os efeitos da Lei da Maquilagem, que já teve até a simpatia de agentes do governo, mostrando as vantagens da migração para o Paraguai, lembrou a onda predatória que atingiu a indústria da Zona Franca de Manaus, num passado recente, e que levou a nocaute diversos segmentos, cujos produtos aqui fabricados sucumbiram à concorrência desleal com os similares vindos do Paraguai, com preços absolutamente incompatíveis com os itens “Made in ZFM”. Em nada resultaram as denúncias, insistentemente e fartamente protocoladas nos Órgãos do Governo Federal, as campanhas de destruição de produtos piratas… A indústria da pirataria foi dizimando toda a produção nacional de diversos itens eletroeletrônicos. Seria importante quantificar o dano, avaliar as sequelas de mercado e apontar as consequências de uma política industrial capenga, desconectada entre as plantas industriais do país. Segundo o empresário, é emblemático o exemplo de um fabricante que possuía 32 injetoras de CDs e DVDs graváveis, e que viu seus prejuízos aviltarem à medida que um produto lhe custava algo em torno de US$ 0,17 a 0,25 ser admitido no país por US$ 0,03/0,04. A apologia da pirataria mostrou quão importante foi o Paraguai neste processo de canibalização, baseado na diversidade de produtos que entram nestas condições desleais em nosso país. Foram sacrificados 6 mil trabalhadores das empresas do setor de mídias virgens (CDs, DVDs e Blue Ray) do Polo Industrial de Manaus com a aprovação da Emenda Constitucional Nº 98/2007, também chamado de PEC da Música, uma iniciativa atrapalhada para, oficialmente, combater a pirataria, mas na verdade imposta para usurpar o segmento da ZFM, segundo a direção do Sindicato dos Meios Magnéticos e Fotográficos do Amazonas que se articulou com a Fieam e o Cieam para brecar o projeto ou pelo menos promover modificações para resguardar empregos. O peso político venceu e a indústria dos CDs e DVDs migrou da Zona Franca de Manaus para regiões mais ricas do país. Entraram jardim a dentro, destruíram as flores e já preparam, diante de nossa passividade, agressões mais ostensivas a legalidade da ZFM.
Razões do esvaziamento
Corremos sério risco de ver a canibalização da indústria brasileira em geral e da ZFM em particular se algumas ações não forem assumidas com a máxima prontidão. Nossa indústria jamais será competitiva com o estado deplorável da infraestrutura brasileira, particularmente na área de transportes e logística. Isso é particularmente importante em função das dimensões continentais do país. A infraestrutura de transportes e logística deficiente reduz não apenas a competitividade dos produtores brasileiros nos mercados globais, mas também o nível de integração entre as regiões do país, permitindo que persistam amplas diferenças na produtividade e nos níveis de renda entre os estados. Segundo, o ambiente de negócios do Brasil sofre sob o peso de uma regulamentação excessiva. Por exemplo, são necessários 83,6 dias para abrir uma nova empresa no Brasil, o que pode ser feito em 6,3 dias no México e em 4 dias na República da Coreia. Como o custo para entrar em operação é elevado, o empreendedorismo é sufocado, e as empresas existentes têm uma vantagem em relação aos novos concorrentes. Terceiro, o Brasil também limita a concorrência externa e as oportunidades de aprendizado, mantendo uma das taxas mais altas de proteção efetiva entre os países de mercado emergente e industrializados. Em alguns setores, as altas tarifas sobre a importação de produtos intermediários e bens de capital representam uma taxa efetiva de proteção aos produtores locais na casa dos três dígitos. Essas considerações englobam uma avaliação recente do Banco Mundial, e explica porque registramos um PIB de menos três enquanto o Paraguai cravou um PIB de mais três por cento em 2015.
O clima, a contribuição da ZFM
Temos, no âmbito da ZFM, alguns ativos adicionais, além da expectativa de uma Política industrial inclusiva, que ponha esta economia no sumário do desenvolvimento pátrio. O Brasil, na principal moeda de troca do Acordo do Clima, se destaca por suas contribuições para atenuar as mudanças climáticas graças a seu estrondoso sucesso na redução do desflorestamento, o que transforma o país em um dos líderes nas negociações climáticas globais. Essa realização seria bem recebida em qualquer país, dado o tamanho do Brasil, ela tem significância global. Esse sucesso simboliza um esforço mais amplo da política de desenvolvimento do país na direção da proteção de seus recursos naturais e o reconhecimento das formas pelas quais ela afeta a subsistência e o bem-estar, particularmente das pessoas mais pobres. Após 1990, o Brasil emergiu como líder em novas tecnologias agrícolas, inclusive a agricultura de cultivo mínimo e a recente expansão de práticas agrícolas climaticamente inteligentes. Programas de regeneração de terras e reflorestamento foram implementados com sucesso em diversas regiões do país. O Brasil tem a ambição de demonstrar que sustentabilidade social e ambiental são complementares. Entretanto, continuam a existir muitos desafios para o Brasil. A gestão de recursos naturais, como terras e recursos hídricos, é ineficiente, com consequências negativas para as oportunidades econômicas e para a sustentabilidade. Apesar do aumento na produtividade agrícola, as diferenças de produtividade entre as fazendas continuam grandes, resultando na necessidade de que mais terra seja cultivada para compensar o baixo rendimento. Apesar de avanços significativos na vigilância e na fiscalização, a aquisição especulativa de terras continua a levar ao desmatamento ilegal e a conflitos, algumas vezes violentos, entre povos indígenas e madeireiros ilegais. Similarmente, no que tange a recursos hídricos, existe uma ampla variação na qualidade da gestão das águas nas várias localidades, além de um sério desequilíbrio norte-sul na captação e no uso da água. Todos esses dados, performances e lacunas, levam as lideranças da ZFM de um lado a exigir respeito a seu modelo, de outro a pleitear a aplicação de recursos pagos pela indústria para consolidar os acertos deste modelo e de sua efetiva contribuição com o clima, oportunidade única do país em fazer cumprir seu acordo com o clima é com seus cidadãos.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]