MANAUS – O governo federal quer cobrar fatura dos impactos ambientais provocados pela construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau da população que vive ao longo da calha do rio Madeira, no Amazonas e Rondônia. A conclusão é de representantes da comunidade científica, dos ribeirinhos e dos empresários da área de navegação e foi apresentada durante seminário na Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (ALE-AM), realizado na sexta-feira, 18, na Assembleia Legislativa do Amazonas. A reunião técnica foi promovida pelo deputado Dermilson Chagas(PDT) que preside a Comissão de Agricultura, Pecuária, Pesca, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da ALE.
Os relatos das entidades e cientistas, na reunião, foram recheados de polêmicas sobre problemas ambientais na região como: a mudança do curso migratório dos peixes com consequência de diminuição do pescado para o Estado; o assoreamento do leito do rio, relacionando-o com a cheia histórica do ano passado; e até suspeita de contaminação de peixes e pessoas por mercúrio, provocada pelas dragagens (procedimento de retirada de sedimentos para melhorar a navegabilidade). Na área administrativa, empresários de navegação levantam suspeita de que as dragagens pagas com dinheiro público não ocorreram dentro do que previa os contratos.
“Há aqui uma tentativa de distorcer a realidade. O governo federal quer privatizar a hidrovia para que, aqueles que deveriam ser indenizados pelo mal já provocado pelas obras, paguem por esse problema. Com a reunião desses dados e relatos já saímos do campo da hipótese de que algo pode ter prejudicado o meio ambiente, a economia e as pessoas que moram no local. Os danos ocorreram e são graves”, afirmou o deputado Dermilson Chagas.
A proposta de privatizar o rio foi criticada na reunião. Para o parlamentar, o governo federal deve assumir a responsabilidade pelos impactos sociais e ambientais ao longo do Rio Madeira e não pode cobrar da população, por meio da privatização, os custos de uma obra mal executada. “Na reunião passada, o próprio Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes) admitiu que as hidrelétricas causam a diminuição da velocidade do rio e por conta do fenômeno das terras caídas há um aumento do assoreamento da hidrovia. Produtos da Zona Franca e o abastecimento do Estado passam pelo Madeira. Certamente as empresas irão repassar isso para o consumidor”, afirma.
Pesca ameaçada
Durante o encontro pesquisadores apresentaram dados sobre os reais impactos da construção das hidrelétricas em Rondônia. De acordo com o Carlos Durigan, presidente da WildLife Conservation Society (WCS), os impactos na região do Madeira são muito graves. “Essas hidrelétricas estão causando impactos grandes e mais rápido do que se imaginava. Os alertas foram feitos e continuam sendo emitidos em relação a Belo Monte e às usinas do Tapajós (ambas no Pará), que são outros projetos que nos preocupam, já que os danos causados raramente são revertidos”, ressalta.
Durigan afirmou que as obras de hidrelétricas na Amazônia ameaçam a pesca. “Há desconexão dos processos biológicos uma vez que os rios são todos interligados. No caso do transporte de sedimentos as várzeas são afetadas atingindo a agricultura. Outra questão de conectividade é em relação aos peixes, já que são impedidos de fazer a atividade migratória. Então, vendo em uma cenário futuro, onde outros rios, além do Madeira, estão sendo barrados, isso pode limitar a migração para a reprodução e consequentemente afetar a disponibilidade do pescado. Ou seja, pode faltar peixe para a população”, afirmou.
O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Philip Fearnside, afirmou que só na região de Porto Velho (RO) 2.400 pescadores profissionais são afetados diretamente pelas hidrelétricas. Para o pesquisador, o governo brasileiro ignorou as pesquisas que já relatavam o real impacto da obra que afeta inclusive a Bolívia. “Os estudos de impacto ambiental só previam os danos até Porto Velho, como se isso não fosse afetar o Amazonas. Em algumas áreas de várzea a alagação já dura o ano todo e não apenas seis meses. As árvores desses locais estão morrendo. O governo sempre dizia que não haveria impacto, que áreas na Bolívia não seriam afetadas e isso ocorreu, são muitos os impactos”.
Criticas ao sistema
O cientista do Inpa também fez duras críticas da forma como os relatórios de estudo de impacto ambiental são feitos: “A decisão é tomada antes dos estudos. O problema é do sistema já que esses estudos de impacto ambiental são pagos pelas empresas que constroem as barragens. Ora, sempre haverá um relatório favorável às obras”, concluiu.
O presidente do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), Rubens Gomes, afirmou que o governo federal não levou em consideração os danos sociais ao construir as hidrelétricas. “Uma atividade econômica importante é a pesca e está sendo extinta. Os impactos sociais nunca foram levados em consideração. Esse processo de licenciamento social e ambiental está furado. Os impactos são imensuráveis para a população”.
Histórico
A polêmica sobre a privatização do Madeira ganhou repercussão após o representante do Dnit, Evainton de Oliveira, confirmar denúncia de que o projeto está sendo tratado em Brasília sem participação de nenhum representante do Estado do Amazonas. Oliveira defendeu, no dia 18 de maio, em audiência pública na ALE-AM, que a privatização é a solução para assegurar a navegabilidade do Rio Madeira. Isso porque ele alega que o governo federal não tem recurso para arcar com as dragagens que passaram a ser necessárias numa frequência maior por causa das barragens das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau.
A denúncia chegou à comissão da ALE pela Federação Nacional das Empresas de Navegação Aquaviária (Fenavega), que participou de reunião no Ministério do Planejamento, onde o assunto foi abordado em meio a discussões do Programa de Aceleração do Crescimento para Hidrovias (PAC-Hidrovia), em março. A comissão da ALE deve criar um comitê técnico reunindo várias instituições para acompanhar o assunto.
Representação no MPF
O deputado Dermilson Chagas prometeu acionar o Ministério Público Federal (MPF) para que o órgão investigue os danos ambientais, sociais e econômicos das barragens e proponha ações contra os responsáveis pelas obras e pelo Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Além disso, Dermilson defende que os responsáveis pelos danos provocados à região indenizem a população prejudicada.