Por Jullie Pereira, da Redação
MANAUS – Medo da morte, sofrimento com perda de familiares e descaso na saúde pública são efeitos da pandemia de Covid-19 que se intensificaram no Brasil. Os traumas psicológicos causados pela doença podem durar até uma década. A solidariedade e o amparo familiar podem minimizar a dor, afirma a psicóloga Juliana Picoli.
Contribui para o ambiente de pavor, segundo a psicóloga, o volume de fatos negativos sobre a pandemia. “Ainda vamos colher os frutos que estamos vivendo hoje. O que podemos fazer em relação a isso é ficar atentos a nós mesmos e aos outros para perceber o momento adequado de comunicar quando um sofrimento se tornar insuportável”, diz.
Segundo a psicóloga, observar sinais de tristeza é importante para que a família providencie apoio. “Precisamos falar mais sobre a morte, sobre o encerramento de ciclos, pensar sobre isso dentro das famílias, nas escolas. Isso inclui, necessariamente, permitir que as pessoas demonstrem suas expressões de dor, dar concessão de viverem seus sentimentos da forma que for mais adequada porque cada um de nós vai ter uma reação diferente e muito pessoal à situação de dor e perda”, explica.
Conforme Juliana Picoli, o luto é um processo que não acaba e que deve ser visto como natural e inevitável. Ela diz que fugir do luto não é saudável. Com as mortes no Amazonas, milhares de famílias enfrentam o trauma da perda.
Do dia 1º de janeiro até este sábado, 27, o Amazonas registrou a morte de 5.506 pessoas vítimas da doença. Desde 2020, foram 10.831 vidas perdidas.
“Esse é um processo que não tem um tempo delimitado, o luto não acaba porque a morte é um processo irreversível. O que acontece é que o luto passa a ser integrado, a gente integra à uma nova realidade. Encarar um processo de luto de maneira saudável é compreender que essa é uma expressão natural e esperada diante de um rompimento e que são muitas expressões que variam de pessoas para pessoa, dos aspectos culturais, as visões de mundo, sua estrutura e rede de apoio”.
A psicóloga também chama atenção para o drama consequente da pandemia que envolve não só as mortes, mas também o descaso. Em janeiro de 2020 o Amazonas passou por intensa crise no abastecimento de oxigênio, levando dezenas de famílias a comprarem o insumo em longas filas na frente de fornecedores.
“Estamos vivendo aquilo que chamamos de ‘quebra de mundo presumido’, aquilo que era conhecido e que se torna novo, assustador e que leva um tempo muito grande pra gente se adequar
“Além das novas adequações impostas pela pandemia, estamos sendo bombardeados de notícias sobre um grande descaso na área da saúde, a ausência de insumos e muitas mortes de pessoas queridas. Ou seja, tem muito mais sofrimento do que somos capazes de dar conta, o impacto disso ainda vai ser sentido”, explica.
O conselho que Picoli oferece é que neste momento todos possam oferecer acolhimento e solidariedade. Falar sobre as perdas, dividir os sentimentos e prestar apoio são formas de minimizar a angústia e a dor.
“O que podemos fazer é garantir escuta, acolhimento e permitir que essa pessoa faça as expressões de sentimentos de forma adequada. isso significa oferecer espaço para que essa pessoa possa falar sobre a dor de ter perdido uma pessoa, sobre como deve ser difícil retomar as atividades do cotidiano, em como a morte impactou a vida dessa pessoa”, disse.
“Neste momento, e não após a pandemia, uma grande parcela da população está carente de acompanhamento e de uma escuta eficiente para lidar com tantas mudanças. Estamos vivendo aquilo que chamamos de ‘quebra de mundo presumido’, aquilo que era conhecido e que se torna novo, assustador e que leva um tempo muito grande pra gente se adequar”, conclui.