Em sua obra ‘Amor líquido: sobre a fragilidade das relações humanas’, publicada no Brasil pela Editora Jorge Zahar, em 2004, Zygmunt Bauman afirma que as migrações representam apenas uma parte visível do iceberg ou apenas um sintoma dos problemas sistêmicos do atual estágio do sistema capitalista. As migrações representam o limite suportável das desigualdades sociais, das injustiças sociais, das diversas formas de violências que promovem a expulsão de centenas de milhares de pessoas ao redor do mundo.
Diante desta conjuntura com tendências de crescimento em nível internacional, a ONU (Organização das Nações Unidas) propôs a adesão dos países mais implicados com as migrações à assinatura do Pacto Global para a Migração Segura, Ordenada e Regular com o objetivo de somar esforços para responder aos grandes desafios das migrações que afetam a maioria absoluta dos países capitalistas. O pacto admite que as migrações são produzidas pelas modernas sociedades capitalistas e, por isso, as implica no debate permanente sobre os deslocamentos humanos em todo planeta e na discussão de políticas de atenção aos migrantes.
Dentre outras linhas, o Pacto Global da ONU para a migração prevê parcerias entre os países para lidar com as questões migratórias no sentido de incentivar políticas públicas permanente para lidar com os migrantes e assegurar seus direitos contando, inclusive, com recursos de organizações internacionais para acolher, atender e integrar os migrantes nas sociedades de destino.
O Brasil, num primeiro momento, em dezembro de 2018, assinou o pacto e assumiu todas as suas prerrogativas orientadas pela ONU e pela Organização Internacional para as Migrações (OIM). Entretanto, no dia 8 deste mês de janeiro, o novo presidente voltou atrás, não sem antes ter anunciado o fato logo no primeiro dia de mandato, e ordenou que seus diplomatas informassem à ONU e à OIM a saída oficial do país do pacto recém firmado.
O Pacto Global para a Migração não prevê medidas de contenção das migrações por entende-las no sentido de garantir o pleno “direito de ir e vir” assegurado nos Tratados Internacionais. Também não prevê nenhuma forma de permissão de migração irregular, muito pelo contrário, prevê sua regulação e ordenamento mundial de acordo com suas proporções. Entretanto, o presidente tem justificado a retirada da assinatura do Brasil do referido pacto, por entender que este facilitaria a migração irregular no Brasil.
Apesar de não termos nenhuma declaração por escrito para embasar nossas análises, a saída do Brasil do conjunto de assinaturas do Pacto Global para a Migração proposto pela ONU representa grandes prejuízos. A primeira questão a ser considerada refere-se aos tratados de reciprocidade. De acordo com o Relatório Internacional de Migração do Departamento de Assuntos econômicos e Sociais da secretaria das Nações Unidas (DESA), 1,6 milhão de brasileiros vivem em outros países, a maioria na Europa. Isso significa afirmar que, dependendo das medidas que o Brasil adotar para lidar com os migrantes internacionais em território brasileiro, o mesmo pode ser adotado para com os Brasileiros que vivem em outros países.
A segunda questão dessa análise refere-se ao tema dos mecanismos de controle da migração irregular. Essa seria a justificativa para o rompimento da assinatura do Pacto Global para a Migração proposto pela ONU. Longe de afrouxar as políticas de controle migratório, o pacto em questão propõe elaborar políticas migratórias internacionais abrangentes e restritivas, cabendo a cada país definir suas agências reguladoras das migrações. No caso do Brasil, a permissão para ingresso e permanência de migrantes em território nacional cabe à Delegacia de Polícia de Imigração – Delemig, do Departamento de Polícia Federal, nas respectivas Superintendências Regionais. Nesse sentido, ao questionar a operacionalidade técnica do ingresso irregular de migrantes internacionais nas fronteiras do Brasil, o atual presidente coloca em discussão o papel da Polícia Federal e suas competências no trato com as migrações.
A última questão em análise refere-se à relação do país com as agências internacionais que atuam no Brasil, responsáveis pelo atendimento aos migrantes, como a Organização Internacional para as Migrações (OIM), o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e o Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF), dentre muitas outras. Com certeza, a saída do Brasil do conjunto de países que assinam o pacto da ONU para as migrações terá implicações, no mínimo institucionais, podendo vir a comprometer a viabilidade de recursos que essas agências manejam no Brasil para o atendimento aos migrantes internacionais.
De maneira geral, as migrações internacionais não geram custos nem prejuízos ao Brasil. Pelo contrário, fazem circular novas economias, técnicas e tecnologias, e, ainda ampliam o mercado de trabalho.
Mesmo baseado em políticas restritivas, muito diferente do entendimento do presidente, o Pacto Global para a Migração Segura, Ordenada e Regular representa uma possibilidade de enfrentamento aos grupos e agências especializadas no contrabando e tráfico de migrantes, bem como combater a exploração do trabalho migrante análogo ao escravo. Longe de representar prejuízos, o Pacto Global para a Migração Segura, Ordenada e Regular apresenta novas metodologias para o trato com as migrações. Nesse sentido, o prejuízo é para o Brasil que se exclui do debate internacional e das parcerias possíveis para lidar com uma questão que afeta praticamente o mundo inteiro.
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