Já tendo abordado os problemas estruturais da mobilidade urbana em Manaus, segundo a própria SMTU, na primeira parte deste artigo, passamos agora a analisar o problema de um âmbito mais macro, como resultado do processo de urbanização brasileiro. É um equívoco comum, em livros, revistas e outras publicações, confundir Urbanização com crescimento urbano, dois processos interligados, mas distintos. O crescimento urbano consiste na expansão das cidades e pode existir sem que, necessariamente, haja Urbanização. A Urbanização só ocorre quando o crescimento urbano é superior ao rural, ou seja, quando há migrações da zona rural para a zona urbana e a população das cidades aumenta, proporcionalmente, em relação à zona rural. A urbanização tem um limite, um ponto final, ao passo que o crescimento das cidades pode continuar indefinidamente. Em alguns países desenvolvidos, como o Reino Unido, a urbanização já cessou, passando a haver apenas um limitado crescimento urbano, que decorre, em parte, do crescimento da população nas cidades e, em parte, da imigração.
No Brasil, a urbanização só começou a ocorrer de fato quando a indústria se tornou o setor mais dinâmico da Economia, o que só aconteceu no século XX, após a crise mundial do capitalismo provocada pela quebra da Bolsa de Valores de Nova York (1929), e que enterrou a nossa economia agroexportadora. Com a industrialização, a porcentagem da população urbana sobre o total da população brasileira passou de cerca de 20% em 1920 para 31% em 1940; 45% em 1960; 84% em 2005 e, aproximadamente, 86% no final de 2013[1]. Embora as primeiras indústrias tenham surgido já no final do século XIX e início do século XX (alimentícias, têxteis e algumas outras), o Brasil só veio a conhecer um acentuado processo de modernização da economia e da sociedade a partir de 1950, com o início um grande processo de industrialização e Urbanização.
No entanto, o país ainda não superou a condição de subdesenvolvimento[2]. Em síntese, de acordo com estudos recentes, alguns fatores são fundamentais para definir a situação de subdesenvolvimento de um país: (1) dependência econômica e tecnológica externa; (2) grandes desigualdades sociais; e, (3) ausência de uma verdadeira sociedade democrática, com direitos e oportunidades iguais para todos. Quando se compara a urbanização que ocorreu no Brasil com a dos países desenvolvidos, verifica-se que ela não é decorrência direta da industrialização. Aqui o setor secundário absorveu menos mão-de-obra, e esse fator tornou o setor terciário hipertrofiado, pouco capitalizado e com atividades de pequeno porte que podem ser classificadas como subemprego. Isso se aplica ao grande número de vendedores ambulantes, por exemplo; um problema que se apresenta em Manaus na figura dos camelôs.
A mobilidade urbana é um dos principais problemas das urbanizações tardias e aceleradas como a do Brasil, típica de países subdesenvolvidos industrializados (a ONU, por conveniência, prefere chamar atualmente essas Nações de países “Emergentes”, no caso dos países industrializados como o Brasil, que integra os BRICs[3] e alguns outros; e, de “Em Desenvolvimento”, os de economia mais agrária e/ou extrativista). A falta de transportes coletivos de qualidade, que ofereçam à população bons serviços e a estrutura viária precária são as principais causas do problema.
Segundo a ONU, defini-se um bom governo urbano ou municipal como aquele que é transparente, que permite a participação popular, que é eficiente e que promove a justiça social e a segurança. Para a ONU, é no âmbito do governo local que grande parte dos problemas sociais podem ser resolvidos (saneamento, esgoto, água tratada, energia elétrica e iluminação pública, pavimentação, moradia, emprego, etc.). O fato é que o processo de Urbanização nos países desenvolvidos foi de uma forma e nos países em desenvolvimento de outra forma. O Brasil possui duas metrópoles nacionais e até mesmo globais (São Paulo e Rio de Janeiro) e metrópoles regionais. Manaus é a metrópole regional do Norte. Como cidade em crescimento, Manaus enfrenta os problemas característicos de uma cidade em expansão. O problema no trânsito de Manaus é enfrentado não só por quem faz uso de veículos, públicos ou particulares, mas também pelos pedestres, ciclistas e transeuntes em geral.
No Brasil, por incrível que pareça, o trânsito mata mais pessoas, por ano, que a Guerra do Vietnã que durou 15 anos e matou cerca de 250.000 pessoas. As políticas públicas para tentar resolver os problemas da mobilidade urbana esbarram na ineficiência, ineficácia e falta de planejamento a médio e longo prazo. Ruas esburacadas, asfalto de baixa qualidade, sinalização, deficiência de malha viária, e a inexistência de educação no trânsito e ineficácia na aplicabilidade do CTB, agravam um problema já sofrido e caótico. Em resumo, não dispomos de uma infraestrutura urbana adequada a uma metrópole regional que possui um dos Pólos Industriais mais modernos da América Latina, bem no meio do pedaço de chão mais rico do planeta – a Amazônia. Estou falando de recursos econômicos naturais, especialmente a biodiversidade que, segundo a Unesco, equivale a 42% do total mundial e está estimada em mais de U$S 100 trilhões!
Costuma-se dizer que o problema da mobilidade urbana é ocasionado pela falta de planejamento. Mas, na realidade, o problema é bem mais complexo e está relacionado ao tipo de Urbanização tardia e hipertrófica do país, somado a velha Questão Social. A solução do problema passa pela implantação de transportes coletivos de qualidade, no caso de Manaus, com ônibus realmente novos (frota nova) e outros sistemas de transporte público eficientes, seja o BRT e/ou Monotrilho e que recebam TPM (Manutenção Preventiva Total, na sigla em inglês). O sistema atual, ineficiente, acaba inchando as ruas da cidade com veículos particulares e meios de transportes alternativos, que agravam o problema de mobilidade urbana na cidade. A questão é estrutural e não conjuntural. Precisa ser encarado com seriedade pelo Poder Público competente.
Clístenes[4] foi o criador do sistema de governo chamado Democracia, em grego (demos = povo, cracia = governo). A Democracia grega (escravista) foi aperfeiçoada por Péricles quando governou Atenas entre 444-429 a.C. A Democracia Moderna nasceu com a Revolução Americana (1776) e a proposta de Thomas Jefferson de que todos os homens foram criados iguais. Nossa Democracia ainda é incipiente, não madura e somente política, no sentido do ter direito (e obrigação) ao voto. No caso urbano, outra parte da solução do problema é uma Democracia mais madura, uma política mais moderna, no lugar da Oligárquica Politicagem que ainda predomina. Alheios à realidade mundial, nossos políticos agem como se ainda estivéssemos no século XIX, na República Velha e Oligárquica. Uma melhor organização da sociedade civil também é muito importante para cobrar soluções, propor melhorias e participar das decisões. Para finalizar, ficamos com uma frase de Winston Churchill: “A Democracia é a pior forma de governo que existe, exceto, todas as outras”.
[1] Fonte: World Bank – www.worldbank.org – Anuário Estatístico do Banco Mundial.
[2] Trataremos desse complexo e controvertido tema e suas teorias em outra ocasião.
[3] Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (South África).
[4] Último dos Tiranos a governa a Cidade-Estado de Atenas, na Grécia Antiga. Pode até parecer contraditório um Tirano ter criado a Democracia. Mas, se em Atenas, durante o governo de Péricles todos os cidadãos possuíam igual direito perante a lei, nem todos em Atenas eram cidadãos. Em Atenas, para ser cidadão era necessário ser homem e filho de pai ateniense. As mulheres, menores de 18 anos, estrangeiros não eram considerados cidadãos. Os escravos nem eram considerados seres humanos, apenas uma “coisa”, como definiu Aristóteles.
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