Por Feifiane Ramos, Do ATUAL
MANAUS – A aprovação pelo Senado da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 8/2021, que restringe decisões individuais do STF (Supremo Tribunal Federal) e de outros tribunais superiores, gera divergência entre juristas e analistas políticos. A PEC foi aprovada por 52 dos 81 senadores, no dia 22 de novembro.
No campo político, a PEC intensifica a disputa de poder entre o Congresso e o Judiciário. No terreno jurídico, a dúvida é sobre a possibilidade da medida retardar decisões que demandam celeridade processual.
Maria Benigno, advogada e especialista em direito eleitoral, diz que existem normas legais e regras dentro dos tribunais que determinam quando uma decisão deve ocorrer em colegiado ou monocrática. Ela acrescenta que “quando já há um entendimento consolidado, o magistrado relator pode, respeitadas essas regras, decidir monocraticamente”.
“As decisões monocráticas têm o objetivo de dar celeridade ao andamento processual, especialmente em questões mais simples e que não demandam a análise de todo o colegiado. No entanto, é importante respeitar as normas e procedimentos internos do tribunal em que o caso está sendo julgado”, disse a advogada.
Benigno afirma que decisões individuais ocorrem em caráter de liminar, ou seja, de forma imediata, mas provisória e “são, em regra, importantes para assegurar o direito em caso de urgência”.
“Isso ocorre, por exemplo, em questões procedimentais que são decisões relativas a questões procedimentais ou incidentais que não envolvam o mérito da causa. Pedidos de liminar, concessão ou negativa de pedidos de liminar, em situações de urgência, sem a necessidade de aguardar deliberação do colegiado, decisões interlocutórias”, explica.
Para Alessandrine Silva, advogada e vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/AM (Ordem dos Advogados do Brasil- Amazonas) cada decisão monocrática tem um “tema e objetivo” e podem ser revertidas.
“Existem decisões monocráticas tomadas para dar respostas a direitos fundamentais de modo imediato. Então, elas são, obviamente, bem-vindas. De todo modo, também pode haver decisões monocráticas que não sejam tão adequadas e que possam conter alguns resquícios de arbitrariedade, mas, ainda assim, essas decisões são liminares”, declarou.
Disputa de poder
Silva afirma que o próprio STF tem ferramentas e estruturas para fazer o controle, com base nos regimes interno, das decisões monocráticas. Ela diz que o Tribunal tem feito um trabalho pactuado na defesa de direitos humanos e fundamentais. Por isso, considera a PEC uma “disputa de poder”.
“Então, na minha opinião, não considero essa PEC como uma vitória [do Congresso]. Na verdade, eu considero ela como uma retaliação de certo modo ao STF e uma disputa desses poderes de um modo que não me parece razoável”, afirmou.
O cientista político Carlos Santiago também analisa a proposta como disputa entre os poderes para saber quem tem mais protagonismo social. Para ele, essas discussões fazem parte de um Estado democrático, mas que não poderia ocorrer, já que os poderes são independentes.
“A decisão do Senado de tentar redar decisões monocráticas de membro do Supremo Tribunal Federal contra leis aprovadas pelo Congresso e sancionadas pela República, faz parte do debate público, do processo democrático, assim como a reação de membro do Supremo”, disse Santiago.
Para o analista, os poderes precisam entender que eles existem para levar bem-estar à sociedade e justiça social. Santiago afirma que é atendendo as demandas da população que Judiciário, Legislativo e Executivo que a sociedade tem ganhos. “Quando existem conflitos para ganhar mais protagonismo, mais poder ou benefícios perde todo mundo, em especial a sociedade”.
“Leis para elite”
Para o também cientista político Helso Ribeiro, a PEC é válida, pois a decisão do Senado é impedir que leis que foram aprovadas no Congresso, na Câmara dos deputados e sancionada pelo Presidente da República sejam vetadas, monocraticamente, só se houver decisão de todo colegiado.
“Eu, particularmente, concordo com isso. Eu penso que todos os tribunais, que são órgãos colegiados, deveriam dar decisões colegiadas sempre. E não um juiz dá uma decisão e às vezes essa decisão fica valendo durante muitos anos até virar o mérito e decisão tá valendo”, disse Ribeiro.
Helso critica as leis do Brasil e usou uma frase do filósofo Jean-Jacques Rousseau, que, no século XVIII, disse que as leis “são úteis e boas para os que têm posses”. Elas são nocivas para quem nada tem.
“As leis em geral favorecem uma elite. E, às vezes, para não achar que só a elite tem uma lei ali com uma certa simpatia, você faz uma lei para criar, por exemplo, a moradia popular. Mas aí o número de moradia popular necessária é infinitamente superior ao que está na lei”, compara.
A proposta aprovada no Senado e será discutida na Câmara dos deputados determina que pelo menos seis dos 11 ministros votem para suspender leis.