Apesar das crônicas precariedades e privações, a ociosidade operada em favor do crime, da violência e da cultura criminógena é o que há de pior no sistema prisional.
Ao adentrar nos cárceres, ao invés de serem sujeitados a um programa básico de formação humana, os detentos são lançados numa ociosidade deformadora e criminosa. Podem recursar estudar e trabalhar sem que isso seja considerado para exame do comportamento, diferente do que ocorre na sociedade. Na vida social, quem não estuda nem trabalha, é reprovado socialmente. Mesmo considerando a situação de desemprego e dificuldade de recolocação no mercado de trabalho, é para essa realidade que os presos deveriam ser ressocializados, pois as colunas mestras da vida em sociedade são o trabalho e o estudo.
Entretanto, ao serem atirados no cárcere, ficam à própria sorte e das facções criminosas. A recusa de trabalhar e de estudar não afeta a avaliação de bom comportamento dos viciados no ócio apático, violento e criminoso. Resultado: reforça-se a cultura criminógena. Uma ilusão de que a vida não tem regras e o que importa é levar vantagem em desfavor dos outros (as vítimas), mantendo-se no vil ócio e no consumo de sensações viciantes.
A legislação brasileira deveria rever essa situação. Reexaminar a matéria para não considerar a recusa do preso em trabalhar e em estudar como mero direito dele, sem qualquer dever que lhe corresponda. A todo direito correlaciona-se um dever, que o justifica e legitima. A lei de execução penal (LEP) é bastante avançada, mas tem limites ao desobrigar o preso de certos papéis sociais básicos, tal como o de estudante e o de trabalhador.
A recusa do preso para o estudo e o trabalho, estando ele apto a ambos ou a um dos dois, não deve ser visto como algo que não afete a avaliação de comportamento. Se considerarmos que o propósito da prisão é também a ressocialização, então, é necessário preparar esse preso para que ele viva em sociedade, internalizando a dinâmica de usufruto de direitos em coerência com o cumprimento de deveres. A sociedade em que vivemos, no mundo ocidental, requer uma postura afirmativa em relação ao trabalho e ao estudo, em suas distintas sociedades.
A própria LEP, em seu artigo 6º, prevê que uma comissão técnica elaborará um programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório, contudo, isto simplesmente é ignorado e nada se faz a respeito. O presídio, que deveria ser, portanto, um espaço de ocupação integral do preso, especialmente com programas de formação e de trabalho, torna-se um centro de ociosidade que opera em favor do crime e da violência. Acaba por deformar ainda mais o preso ao invés de contribuir para que ele cumpra bem sua pena e se ressocialize para vida numa sociedade cujas “molas mestras” são o estudo e o trabalho.
Parafraseando Voltaire: “O estudo e o trabalho nos poupa de três grandes males: tédio, vício e necessidade.” O sistema prisional brasileiro precisa descobrir isso e aplicar a dinâmica da vida social no interior dos presídios para que os indivíduos com dívida penal, condenados ou não, possam aprender a conviver e serem ressocializados.
Todos precisam de descanso e de ócio criativo, mas no sistema prisional brasileiro, que deveria ensinar uma disciplina de vida a todos que lá estão, mergulha o indivíduo numa ociosidade degradante e criminógena ainda mais profunda do que aquela que ele já está habituado fora dele. Por isso, é fundamental rever o paradigma dos direitos sem deveres nos presídios, pois a restrição da liberdade ocasionada pela prática do delito (dívida penal) não pode servir de justificativa para que o preso desfrute de direitos sem deveres correlatos. Isso é reforça a cultura do crime.
Por outro lado, a educação e trabalho no interior do cárcere necessitam ser adequados à realidade dos presos. Não basta providenciar a oportunidade da velha educação pública formal, que já não funciona aqui fora, e simplesmente transportá-la aos encarcerados. Há necessidade de certo nivelamento anterior do ponto de vista ético, humano e emocional. A questão subjetiva é muito relevante, sendo necessário um trabalho psicológico e de neurolinquística com o preso: “Tudo está na mente. É onde tudo começa. Saber o que se quer é o primeiro passo…” – Mae West. Sem isso, a educação formal, disponibilizada nos estabelecimentos prisionais, tende a não surtir efeito algum. Aliás, pode até mesmo produzir maior frustração e insatisfação entre os encarcerados. Daí ser, em grande parte, tão expressivo o número dos que se recusam a estudar e optam pela ociosidade do cárcere.
Deve-se levar em conta ainda que todos presos estão encarcerados por alguma dívida penal, condenados ou não, e que trazem ao chegar ao presídio uma gama de experiências. Aprenderam certos padrões de pensar e de agir, certas coisas que foram se consolidando no tempo. Internalizaram outras, a maioria dos quais a partir de uma realidade de privações, de violência e de vulnerabilidade social. Por isso, já se socializaram num padrão de valores e de práticas sociais que precisam ser revistas e modificadas para que se instaure um movimento no sentido da ressocialização. E a adoção de medidas voltadas a isso pode debelar imediatamente os detentos da cultura do ócio degradante, deste que se saiba aplicar a dose certa em cada momento da vida do aprisionado no cárcere.
Enfim, a ociosidade dos presos pode ser vencida e superada, desde o princípio, por meio da implantação de programas que partam da formação na ação, desde quando ingressam no estabelecimento prisional, e que os levem a se tornar protagonistas do próprio processo de desenvolvimento humano ressocializador.
Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ.
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