A corrupção não é um processo ou fenômeno de simples entendimento ou decifração. Na realidade, pode assumir alguns contornos bastante diferenciados, inclusive como espécie de viciamento humano. Um desdobramento frequentemente verificável em nossa sociedade.
Trata-se de uma modalidade de vício comportamental, influenciado por aspectos simbólicos, culturais ou contextuais que afetam prejudicialmente a formação ética e psicosocial de indivíduo e de certos grupos com referência às regras, costumes e valores da sociedade em que vivem. Um vício que pode impactar a vida de alguns, de muitos ou de todos, em especial quando há viciados em corrupção à frente de instituições e governos. As condutas corruptas e corruptoras desse tipo de viciado produzem efeitos nocivos, danosos e impactantes sobre a vida de pessoas e de coletividades. O vício em corrupção é o típico “poço sem fundo”, vez que o viciado nunca se sacia em seus delírios de poder, de fraude, de ostentação, de acumulação, de posse, de consumismo, de conquista de vantagens indevidas ou de qualquer outro objeto que alimenta esse tipo de viciamento.
O viciado em corrupção, tal como ocorre noutros casos, procura razões para justificar o vício. Razões genéticas, sociais, culturais, históricas, ideológicas, psicológicas, cognitivas, dentre outras tentativas de desculpar a própria consciência e conduta viciadas. A mais frequente continua sendo dizer que todos fazem ou fariam o mesmo se estivessem na mesma posição, ou seja, nivelar a todos ao seu baixo patamar para encontrar um pretexto que legitime o próprio vício. Com isso, tenta se passar a ideia de que está isento de toda e qualquer responsabilidade pela sua conduta. Mais ainda: esse tipo de viciado quase sempre se convence com os resultados do vício, os quais apresenta como atrativos, compensadores, frutos da “inteligência ou do ego superior”, repletos de sensações de prazer, de auto-afirmação, de poder e de outros devaneios, às vezes megalomaníacos. Vê neles algo sempre justificável, não um crime. O viciado em corrupção tenta iludir o próprio discernimento. Por essa razão, muitos acabam incorporando uma maneira bipolar de ser.
Muito frequentemente viciado em corrupção não admite outros posicionamentos ou opiniões diferentes das suas. Sente-se dono da razão e da verdade, imune a equívocos ou limitações. Raramente tolera ouvir e, de fato, escutar, alguém. Quase sempre considera-se mais inteligente, mais importante e superior às demais pessoas. Aliena-se da própria realidade e se julga um semideus.
Para o mestre Machado de Assis, “a vaidade é o princípio da corrupção.” Quando afeta a coisa pública, a dimensão do estrago pode ser muito maior e mais profunda. Não é raro haver certas promiscuidades entre os negócios públicos e privados. Ainda mais quando se admite legalmente certas condutas e burocracias que favorecem aos viciados em corrupção. Afirma o filósofo iluminista Montesquieu que “a corrupção dos governantes quase sempre começa com a corrupção dos seus princípios.” Daí em diante nada é tão ruim que não possa ficar ainda pior. O preço é altíssimo, em especial aos que sofrem os efeitos e impactos desse vício, todavia, as ilusões do viciamento afetam a cognição, a autonomia da vontade e a lucidez não apenas dos viciados, mas de todos aqueles que eles manipulam ou mantém em engano, erro ou crônica dependência. As conseqüências sociais, éticas, civis e criminais recaem, no entanto, sobre todos os que participam do processo que deflagram condutas ilícitas. Não é casual, portanto, o vício da corrupção está ligado à violência e à criminalidade.
O viciado em corrupção, de modo proposital, deturpa, estraga, eiva de erro, de maledicência e de danos materiais qualquer procedimentos ou relação para obter alguma vantagem indevida ou apenas para reafirmar seu comportamento transgressor e deformador. É a auto-afirmação por meio do desvio patológico. O viciado em corrupção procura cooptar outros para a prática da fraude, de ilícito e de qualquer outro ato que viole as leis e os procedimentos corretos.
Indivíduos e grupos portadores desses vícios julgam-se acima das leis e produzem estragos impactantes em todas as esferas (pessoal, familiar, comunitária, coletiva, social, política, econômica, cultural, religiosa etc), principalmente quando associados a outros vícios, em especial o viciamento em poder político. Nesse caso, podem conduzir a sociedade à decadência de regimes plutocratas e cleptocratas.
Os viciados em corrupção buscam impor a terceiros a responsabilidade pelas condutas que realizam. Costumam conhecer a regra para violá-la, encontrar brechas nas leis para desviar-se delas, chegando a ter um comportamento nocivamente patológico diante da relação com as normas institucionais e as regras de convivência social. Apegam-se a padrões antiéticos e tomam quase sempre por referências o agir de outros viciados, inclusive no permanente empenho de justificar o próprio vício pelo viciamento dos outros. Por fim, não raro, os viciados em corrupção desenvolvem perfis sociopatas.
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