Augusto Cesar Barreto Rocha (*)
Há um trem prestes a atropelar a ZFM (Zona Franca de Manaus). A locomotiva está, como de costume, comandada por São Paulo, Brasília e outros mandatários com a cabeça desconectada do Norte brasileiro. Enquanto isso, ficamos conversando e emitindo opiniões a esmo sobre o que estão tramando no trem. Sequer estamos no trem, mas já vemos a sua potência e já nos chegam notícias sobre Dubai, redução de tarifas, acordo do Mercosul com a Europa, redução de impostos, turismo e outras tantas novidades.
A questão não é ficar falando do trem, mas construir um trilho com a bitola certa e que conduza o trem para o caminho que nos interessa. Contudo, construir trilhos é algo trabalhoso e que precisará ser feito por nós. Se esperarmos ser atropelados para apontar por onde o trem deveria ter passado será muito tarde. Não adiantará apelar para relatar como foi o atropelamento ou pedir compensações sobre o estrago já feito. O que precisamos é colocar logo os trilhos que levarão este trem para os lugares de nossos interesses e necessidades.
A questão que temos a enfrentar é: como desenvolver o Amazonas? Como gerar riqueza em Manaus? Esta questão é nossa. Outros poderão nos ajudar, mas o problema é nosso. Não vejo São Paulo esperando Brasília dizer o que precisa ser feito. Temos a mesma possibilidade, mas precisamos ter a coragem de exercer esta possibilidade.
Não se param trens de fora do trem, a menos que exista um controle externo ou um comando dos trilhos e de suas direções. Qual a direção, dentro de um paradigma liberal (ou pseudo-liberal ou fake-liberal…) para isso? Não está em pauta se gostamos ou não do paradigma, se ele é verdadeiro ou falso, se ele é bom ou ruim. O que está em pauta é: qual o interesse do Amazonas para o mundo inteiro ouvir? Cabe apenas ao Amazonas este papel. Não podemos entregar esta decisão para a Alemanha ou para um grupo que colocou uma bela placa a frente de um museu europeu. O mundo inteiro usa nosso nome, mas Brasília prefere nos chamar de Dubai. Nem um, nem outro querem nos defender. Ambos visam seus próprios interesses.
Precisamos começar a prescrever o que e como fazer para levar este trem para um caminho que não nos atropele. O maquinista de plantão quer fazer o trem do país andar. Onde estão nossos trilhos? Para onde eles levam? Qual o tipo de velocidade a ser desenvolvida em nosso território?
O que está faltando para o Amazonas é começar a dizer o QUE QUER. Precisamos declarar em alto e bom som, com algum mínimo consenso. Se isso não for feito logo, seremos atropelados pela história. É visível esta direção e não adianta enterrar a cabeça, tapar os ouvidos ou o nariz. É necessário definir a pauta sobre COMO fazer. Não com objetivos a esmo, tipo “mais turismo”. A questão é COMO fazer turismo em Novo Airão se não é fácil nem rápido adentrar no arquipélago de Anavilhanas. A questão não é se temos terras raras ou petróleo. A questão é como e quando começaremos a explorar estas possibilidades.
Para cada caminho, será preciso um conjunto de respostas que retirem as amarras que nos prendem. Estamos em toda a nossa história travados e com o nosso desenvolvimento emperrado, pois possuímos potencial para desequilibrar o jogo global. Precisamos perceber isso e trazer para a geração do presente esta responsabilidade. Cabe a nós, que vivemos na Amazônia, este papel. Não virão estranhos com boa-vontade. Os colonizadores sempre querem o mesmo e a história é farta em exemplos. Que nos unamos em torno de alguns objetivos, indiquemos como nos libertar e lutemos em conjunto por isso. Caso contrário, continuaremos na condição de escravos, contribuindo com impostos e, no jeito que vai, com as nossas vidas.
Os artigos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor e nem sempre refletem a linha editorial do AMAZONAS ATUAL.
Augusto César Barreto Rocha é doutor em Engenharia de Transportes (COPPE/UFRJ), professor da UFAM (Universidade Federal do Amazonas), diretor adjunto da FIEAM, onde é responsável pelas Coordenadorias de Infraestrutura, Transporte e Logística.