O SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento Básico) divulgou os mais recentes dados sobre a situação brasileira no que diz respeito aos serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, gestão dos resíduos sólidos e o manejo das águas pluviais. Considerando os serviços de água e esgoto, esta vigésima terceira edição do SNIS-2017 mostra o desempenho das empresas (públicas e privadas), analisando diversos indicadores municipais, entre eles, o atendimento total de água do município, o atendimento urbano de água, o atendimento total de esgoto do município, o atendimento urbano de esgoto, o esgoto tratado por água consumida, o investimento/arrecadação, as novas ligações de água, as novas ligações de esgoto, as perdas no faturamento, as perdas na distribuição e as tarifa média.
Manaus, o principal centro financeiro da Amazônia, continua visivelmente atrasada em relação às grandes cidades do Brasil. Os dados divulgados pelo SNIS-2017 mostram a evolução histórica do município de Manaus, constatando a sua degradada gestão pública. Ao tomarmos, por exemplo, os últimos 10 anos, podemos averiguar a lamentável situação em que se encontra a cidade. Se em 2007 o desempenho da capital amazonense a colocava em 68º lugar entre as 100 maiores cidades do Brasil, os últimos dados do SNIS-2017 mostram que a sua colocação recuou para a 98ª posição, ficando entre as piores cidades do Brasil nos serviços de água e esgoto. Dentro desta dinâmica de precarização, ao considerarmos o contexto amazônico, o SNIS nos aponta que Manaus perde para todas as capitais da região, menos para Porto Velho (RO).
A evolução (involução) histórica é percebida em detalhe à medida que comparamos o desempenho da cidade de um ano para o outro. Em 2008, o SNIS registrou que o desemprenho de Manaus a colocava na 66ª posição no ranking das 100 maiores cidades brasileiras; já no ano de 2009, a posição da cidade alterou positivamente para o 65º lugar, mas, em 2010, a cidade voltou a sofrer uma forte queda no seu desempenho, chegando a ocupar o 82º lugar; se em 2011, Manaus subiu para a 72ª posição, em 2012, sua posição volta a cair bruscamente para 82ª posição, situando-se a partir de então entre as 10 piores cidades brasileiras. Em 2013, a cidade ocupa o 92º lugar; em 2014, ocupa a 97ª posição; em 2015, a 95ª posição; em 2016, a 96ª posição e em 2017, Manaus chega ao fundo do poço, posicionando-se no 98º lugar no ranking de desempenho das 100 grandes cidades nacionais.
Diante destas informações, é impossível não perceber a nefasta contradição capitalista: ser uma das cidades mais produtivas do Brasil (6º PIB nacional) e ao mesmo tempo conviver com as piores políticas públicas de saneamentos básico do país. Nesta realidade, a desigualdade e a injustiça se manifestam de forma aberta nos indicando que elas estão inscritas na própria elaboração e implementação das políticas públicas. Trata-se de implementar desigualdades para eternizar a perversa hierarquia social que configura a sociedade.
Em Manaus, a privatização dos serviços de água e esgoto ocorreu no ano 2000, mas, como é possível observar, a tão propalada eficiência da inciativa privada ainda não foi vista na cidade, pelo menos nas periferias e áreas de populações empobrecidas. Diante da evolução negativa do desempenho dos serviços, podemos afirmar que a eficiência da privatização tem obtido resultados sociais sempre piores, pois os mais necessitados foram decididamente abandonados, mas, para não ser pessimista, podemos também visualizar melhores resultados nas áreas mais nobres da cidade. Confirma-se, assim, a prevalência da injustiça e da desigualdade.
A desigualdade social e a indiferença governamental em relação às classes mais vulneráveis são institucionalizadas para que os lucros das empresas se mantenham numa tendência cada vez mais favorável. Senão vejamos: os dados do SNIS nos mostram que a concessão privada dos serviços de água e esgoto de Manaus arrecadou nos últimos 5 anos R$ 1.676,74 bilhão, mas investiu somente R$ 311,44 milhões no mesmo intervalo de tempo. Além disso, o DATASUS/2017 (Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde) nos informa que na capital amazonense, 1.899 pessoas foram internadas por doenças de veiculação hídrica e dentre elas, 34 morreram. Não precisa dizer que estas pessoas pertenciam às classes mais pobres, que sofrem com a falta de água potável e saneamento básico na cidade.
O pensamento complexo nos mostra que todas as coisas estão interligadas. Esta interligação também perpassa o funcionamento das cidades. O isolamento do problema do saneamento básico, transferindo-o para a iniciativa privada, não lhe trará a solução. A empresa agradece pelos lucros, mas para chegarmos a uma solução que favoreça ao conjunto da cidade é necessário que a administração pública reassuma a gestão dos serviços com responsabilidade, considerando a sua interface com as demandas da educação, da saúde, do meio ambiente e até do turismo. Além isso, reassumindo a sua obrigação na gestão democrática da cidade, o Estado precisa investir no saneamento básico das zonas mais pobres, uma vez que elas não interessam ao empreendedorismo privado, cujo principal objetivo é maximizar os lucros.
Salve a Amazônia!
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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