Em minha análise, dentre as soluções de infraestruturade transporte, as dutovias e as ferrovias aparecem como as últimas prioridades para o estado do Amazonas. A penúltima prioridade, mas nem por isso pouco importante, é o modal duto viário. É relevante porque já existe uma ligação de Urucu-Coari a Manaus e a algumas cidades pelo caminho. Também existe a possibilidade de exploração da mesma bacia de gás com sua conexão com Rondônia e de lá para outros estados. Será ainda possível acessar outras reservas de gás que certamente estão presentes no estado e integrá-las com centros consumidores, com um pequeno impacto ambiental, relativo ao grande benefício deste potencial.
Tanto na dutovia, quanto na ferrovia, o construtor da infraestrutura é normalmente responsável por sua operação depois da obra. Ou seja, não se constroem estes modos de transporte para outros usarem. O construtor dos dutos terá que cuidar da operação e nas ferrovias acontece o mesmo, porque ninguém possui trens estacionados em suas casas. Dutovias e ferrovias somente fazem sentido quando já existem produtores e consumidores com oferta e demanda com relevância econômica para aquele meio de transporte, pelo menos esta é a tônica desde as últimas décadas do século XX.
O imaginário brasileiro da classe média alta sonha comas ferrovias europeias ou norte-americanas, mas elas foram construídas em outro momento da história, com extensões muito diferentes das necessárias ao Norte do Brasil. Como exemplo, a Ferrovia Norte-Sul, iniciada em 1985, até hoje não saiu completamente do papel ou das páginas policiais, por conta de incontáveis escândalos de obras mal licitadas, superfaturadas, inacabadas ou de desvios de recursos. Além disso não temos como fazer ações no passado e isso nos deixa apenas no presente, com o rigor ambiental contemporâneo para a construção,impossibilitando extravagâncias e destruições desnecessárias, como se deu no passado de alguns países. Tentativas semelhantes, como projetos chineses na África, têm gerado desastres financeiros nos últimos anos, conforme noticiado no Financial Times do dia 07/12/2018, chamando-os de “projetos de vaidade”.
Fazer uma dutovia somente fará sentido com oferta e demanda certa dos produtos que passarão pelos dutos. Construir ferrovias só fará sentido se houver muita abundância de produtos que façam bom uso deste modal. Elas demandam minérios, carvão, cimento e dutovias atraem gases e derivados de petróleo. As distâncias entre o Norte e o Sul do estado são enormes e mais longínquas entre o estado e o resto do Brasil. Pagar a operação de trens “batendo lata para cima e para baixo” é algo inviável, salvo quando há uma quantidade enorme de produtos voltados para este modal. Isso pode até ser viável para a companhia Deutsche Bahn, pois a Alemanha é relativamente pequena e, em alguns trechos, seus trens estão carregadíssimos com produtos industriais, o que não é a perspectiva da região densa em florestas no presente e no futuro almejado.
O custo por quilômetro de construção de uma ferrovia é de cerca de 70% do custo de uma rodovia, mas quando se adiciona a enorme necessidade de custeio, ferrovias no Amazonas perdem sua atratividade, para passageiros ou cargas. Por este e outros motivos que as ferrovias não são mais capilares no Brasil. Entretanto, poucos de nós temos a consciência que entre1962 e 2004, dentre os investimentos em logística e transportes realizados pelas autarquias e empresas vinculadas aos Ministérios dos Transportes e Aeronáutica, acrescidos da CVRD, Petrobrás e Infraero, as ferrovias receberam11,82% mais investimentos do que as rodovias (dados do Ministério do Transporte e Barat, 2007).
Também pouca consciência há que as ferrovias existentes são muito eficientes. Segundo Caldas et al (2013), em uma comparação das ferrovias mais eficientes, agrupando sistemas dos EUA e Brasil, das dez operações mais eficientes, seis são brasileiras, incluindo as quatro primeiras.Quando se comparam os países que mais transportam cargas em peso nos seus sistemas ferroviários, o Brasil está em sexto lugar, precedido por Rússia,China, EUA, Índia e Canadá, estando à frente da União Europeia. Isso significa que não estamos tão mal como supõe o imaginário. Assim, como não existe interesse em destruir a flora da região amazônica, não fará muito sentido a construção deste modal como prioridade.
O que fazer no Amazonas? Nas dutovias, integrar Coaria Rondônia e de lá ao Sudeste pode ser uma boa prioridade, seguida de outros dutos das futuras plataformas de exploração de petróleo e gás na região, que poderão usar Coari como concentrador, pelo menos enquanto houver relevância para o petróleo. Para a ferrovia, uma ao lado da BR-319, quando a ferrovia da Soja chegar a Porto Velho (projeto da Rumo, antiga América Latina Logística -All), poderá ser uma boa oportunidade no longo prazo. Enquanto este longo prazo não chega, é necessário que nos concentremos nas prioridades já apresentadas,investindo 2,5% do PIB do estado em sua infraestrutura, ano após ano. Sem parar. Em 20 ou 30 anos haverá uma infraestrutura compatível com a necessidade,o que é algo completamente fora da realidade atual. O próximo artigo concluirá esta série de textos sobre a infraestrutura de transportes do Amazonas, onde este foi o quinto texto.
Augusto César Barreto Rocha é doutor em Engenharia de Transportes (COPPE/UFRJ), professor da UFAM (Universidade Federal do Amazonas), diretor adjunto da FIEAM, onde é responsável pelas Coordenadorias de Infraestrutura, Transporte e Logística.
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