A cada nova eleição para as mesas diretoras do Poder Legislativo, que seguindo o Regimento Interno deve ser por votação secreta, surgem os debates e ações judiciais que tentam barrar essa nefasta situação, que afronta não só princípios e normas constitucionais, mas principalmente fere de morte nossa democracia participativa. Se o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos, e ainda, conforme o princípio da publicidade, se exige ampla divulgação dos atos praticados pela Administração Pública, não há razão para voto secreto.
Nossa Bíblia Política (CF/1988), ao menos quanto ao voto é cristalina, pois é expressa nas ocasiões em que determina seja escrutínio realizado através de voto secreto, como v.g. se denota do artigo 14, artigo 52, artigo 98 e artigo 119, todos de nossa Lei Maior.
No tocante a eleição para mesa diretora, assim determina o artigo 57, § 4º, da CF, “cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”, portanto, não faz qualquer menção a voto secreto dos parlamentares, motivo pelo qual infere-se que o voto para eleição da Mesa deva ser aberto.
Assim sendo, o voto somente será secreto nas ocasiões em que a Constituição expressamente determinar. Nos casos em que a CF não determina votação secreta, estas serão necessariamente abertas e públicas. Trata-se do silêncio eloquente da CF, a ser observado como regra, tal como a norma expressa.
Malgrado, não bastassem as determinações constitucionais acima delineadas, aos atos administrativos deve-se atribuir publicidade, devendo os deputados/senadores pautar-se pelo interesse público, dando publicidade, portanto, a todos os atos que pratiquem em nome do povo.
Ademais, a pacifica doutrina pátria destaca a importância de não se confundir interesse público com interesse do Estado, com interesse do aparato administrativo e muito menos com interesse dos agentes públicos. Dessa maneira, de forma breve, demonstramos que tanto a Constituição Federal e a doutrina não fazem qualquer alusão a voto secreto para eleição de mesa diretora.
Nossos parlamentares, especialmente os deputados, são eleitos para representarem os interesses públicos, do povo, e não seus próprios interesses ou àqueles espúrios. Quando o Poder Judiciário é instado a decidir demandas que sustentam o voto aberto para eleições das mesas diretoras, surgem os políticos profissionais, aqueles acostumados a encobrir os malfeitos com o manto do imoral Regimento Interno das casas legislativas, que dispõem, serem as eleições das mesas secretas.
Esses parlamentares, defensores não dos interesses do povo, mas representantes de si, sustentam que o voto aberto “importa em grave lesão à ordem pública, sob a perspectiva da ordem político-administrativa, sendo drástica e indevida a intervenção no Poder Legislativo, ao se impor que a eleição para os cargos da mesa diretora, ocorra por meio de voto aberto”.
Argumentam ainda, que o voto secreto em eleições internas compõe o universo de normas de funcionamento, não apenas do parlamento brasileiro, mas também em homólogos de diversas democracias consolidadas, acenando que, o voto aberto violaria à ordem pública e à segurança jurídica.
Consequentemente, em que pese os parcos argumentos contrários ao voto aberto, em sua ampla maioria alicerçado pelos Regimentos Internos das casas legislativas, é explicito, que os princípios e normas estampadas na Constituição Federal são nossas leis maiores, sendo regras orientadoras das demais leis infraconstitucionais.
Nada impede que haja alteração dos Regimentos Internos, e passem a prever a votação aberta, cabendo ao Plenário de cada Casa Legislativa respeitar os anseios do povo, vez que tramitam na Câmara dos Deputados inúmeras propostas tendentes a alterar o Regimento Interno que determina a votação secreta para a eleição da mesa, sendo que a maioria dos projetos estão apensados ao Projeto de Resolução (PRC) n. 231/1990.
Desse modo, tal propositura, não obstante apresentada há quase 30 (trinta), jamais foi votada por total falta de interesse dos membros do legislativo, os quais continuam a demonstrar não possuírem a mínima intenção de pautar o tema, mais um motivo para a justa intervenção do Poder Judiciário, que deve sim, manter a decisão de votação aberta e pública para eleição das mesas diretoras do parlamento.
Destacamos, a existência no mundo jurídico da denominada “mutação constitucional”, sendo uma forma de alteração do sentido da Constituição, sem, todavia, alterar a letra da norma. Trata-se de uma alteração do significado do texto, que é adaptado conforme a nova realidade na qual a Lei Maior está inserida. É fruto da própria dinâmica social, da confluência de grupos de pressão, das construções judiciais, dentre outros fatores.
Sendo assim, em tempos de esperança em dias melhores ao nosso País, nossos parlamentares devem acompanhar o evoluir das circunstâncias sociais, políticas e econômicas, e cumprindo seus deveres fundamentais de promover a defesa do interesse público, alterarem os Regimentos Internos, atribuindo a votação aberta para mesa diretora, seja votando os projetos em tramitação na casa ou aplicando uma “mutação regimental”.
“Na justiça como equidade, o conceito do certo vem antes do de bom”. John Rawls.
Um forte abraço e um sábado de muita Luz!
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