No sábado passado ultrapassamos a barreira das 100 mil mortes causadas pela Covid-19. Hoje, este número já está ampliado, uma vez que a cada dia perdemos centenas de pessoas para o coronavírus, mas o simbolismo dos cem mil é impactante. Vivemos a maior tragédia do Brasil contemporâneo, tragédia que marca a nossa história como nação e afeta milhares de famílias de forma indelével.
Esta tragédia nos impacta não somente pelas perdas das vidas e o sofrimento causado, mas também porque ela tornou visíveis várias facetas do Brasil. Ela nos mostrou, de forma escancarada, a desigualdade social brasileira, mesmo para aqueles que resistiam olhá-la nos olhos. Uma desigualdade que enfrentamos desde o surgimento do Brasil, mas não é inata. Trata-se de um fenômeno produzido a cada geração, através de decisões concretas tomadas pelas líderes que governam esta terra.
São poucos os que têm oportunidades de serem transferidos para hospitais de renome dotados de todos os equipamentos e recursos necessários para combater a Covid-19. Por outro lado, são milhares os que têm de enfrentar a doença em condições desfavoráveis, vivendo em moradias e em localidades que não apresentam os pré-requisitos necessários para a prevenção e eliminação da doença: saneamento básico, unidades hospitalares, condições de distanciamento e recursos financeiros. Estes são obrigados a enfrentar o vírus nos transportes coletivos, com a falta da água e de esgotamento sanitário, no abandono social, em meio à exploração capitalista.
A tragédia dos 100 mil também serviu para tornar mais evidente a irresponsabilidade do presidente da República e do grupo que ele representa. Carolina Bahia, colunista de um jornal gaúcho, descreveu esta situação, apresentando grande lucidez: “Jair Bolsonaro vai ficar na história como o presidente da República que fez pouco caso da terrível marca de 100 mil mortes por coronavírus, a maior tragédia sanitária do país”.
Não são poucos os argumentos que fundamentam esta afirmação e expõem o caráter genocida do atual presidente. É revoltando saber que o governo federal gastou somente 29% dos recursos disponíveis para combater doença. Causa indignação ver o presidente da república promover aglomerações, causando a disseminação do vírus mortal. É desconcertante ouvir o Jair Bolsonaro criticar o isolamento social, único remédio segura contra a doença. É assustadora a propaganda de um remédio sem a devida garantia científica. É repulsivo quando ele cria conflitos com os governadores por estarem tentando proteger as vidas das pessoas nos seus Estados. E por cima, ele sugere que estamos diante de uma “gripezinha”, que temos de “tocar a vida”, sem dar muita atenção à situação em que vivemos.
Esta atitude genocida, já identificada por muitos, vai ao encontro da postura negacionista que não quer reconhecer que a Amazônia está sendo destruída pelo fogo e pelo desmatamento. Ela reforça a índole preconceituosa que resiste em fornecer água potável e condições de sobrevivência aos povos indígenas atingidos pela pandemia. Tudo isso é coroado com as políticas privatistas, que querem destruir o patrimônio público, vendendo as empresas mais lucrativas do país, submetendo a cidadania à lógica do mercado. Retirando direitos, conduzindo o país ao buraco.
O grito ensurdecedor das 100 mil vítimas da Covid é ouvido por todo o mundo civilizado. Um grito por justiça, um grito de alerta. É preciso mudar enquanto ainda é possível.
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