Por Danielle Brant e Isabella Macedo, da Folhapress
BRASÍLIA – Sob fortes críticas do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e passando à frente de votações de medidas de enfrentamento à pandemia do coronavírus, os deputados aprovaram nesta terça-feira, 8, a criação de um tribunal regional federal em Minas Gerais defendido por um aliado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Apoiadores do projeto negam que implique custo adicional à Justiça Federal, mas cálculos preliminares de especialistas apontam para um gasto anual ao menos R$ 30 milhões maior – sem considerar concursos futuros para preenchimento de eventuais vagas novas, por exemplo.
O projeto, de autoria do STJ (Superior Tribunal de Justiça), teve seu texto-base aprovado simbolicamente. Os deputados rejeitaram uma proposta patrocinada por Maia e que buscava criar um mecanismo que impedisse o aumento de gastos da corte acima da inflação. Agora, o texto sege para análise do Senado.
Segundo Maia, o texto rejeitado tinha como objetivo deixar claro que haverá aumento de despesa pública com o tribunal. “Eu acho que essa é a nossa intenção, nós que somos contra a criação do tribunal”, afirmou, ressaltando que, apesar da crítica, respeitava a decisão da maioria de criar o TRF-6 (Tribunal Regional Federal da 6ª Região).
Com sede em Belo Horizonte, a corte, segundo defensores, busca desafogar os processos que se amontoam no TRF-1, sediado em Brasília e que hoje atende, além do Distrito Federal e de Minas Gerais, os estados de Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins.
A ideia é que o novo tribunal atenda Minas Gerais, origem de cerca de 35% dos processos analisados no TRF-1, segundo dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Tirar o TRF-6 do papel era um dos legados que o mineiro João Otávio de Noronha queria deixar em sua presidência no STJ. Ele será substituído no cargo nesta quinta-feira, 27, pelo ministro Humberto Martins. Noronha é tido como aliado de Bolsonaro e trabalha para ser indicado pelo presidente a uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal).
Em julho, o presidente do STJ concedeu prisão domiciliar ao ex-policial militar Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente da República.
Queiroz foi preso em junho, em Atibaia (SP), em um imóvel do advogado Frederick Wassef, então responsável pelas defesas de Flávio e do presidente. O ex-assessor do filho de Bolsonaro é investigado sob suspeita dos crimes de peculato, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
Noronha também deu liberdade a Márcia Aguiar, a esposa de Queiroz, que estava foragida. Ele argumentou que seria recomendável a presença de Márcia em casa para dispensar as atenções necessárias a Queiroz, já que estará privado do contato de outras pessoas durante a prisão domiciliar.
Dias depois, o ministro negou pedido de prisão domiciliar para presos enquadrados no grupo de risco da Covid-19, afirmando que a falta de informações individualizadas sobre o quadro de saúde dos detentos impedia a concessão do benefício coletivo.
O texto transforma 20 cargos vagos de juiz federal substituto do quadro da Justiça Federal da 1ª Região em 18 cargos de juiz vinculados ao TRF-6.
O projeto também extingue 145 cargos efetivos do TRF-1 e da primeira instância para que sejam criados 44 cargos de analista judiciário e 74 funções comissionadas e cargos em comissão. Os salários serão entre R$ 1.379,07 para o cargo mais baixo e R$ 14.607,74 para o de maior remuneração.
Ao defender o novo tribunal, Noronha afirmou que a corte não teria custo adicional ao orçamento da Justiça Federal porque os recursos seriam redistribuídos para o novo TRF-6 e os 18 cargos de desembargadores federais seriam criados a partir de postos vagos de juízes com salários já previstos no Orçamento.
Reportagem do jornal Folha de S.Paulo mostrou, porém, que o valor de salários hoje não é desembolsado, uma vez que se refere a postos vagos na Justiça Federal.
Estimativa do pesquisador Bernardo Buta, do grupo de pesquisas em administração da Justiça da UnB (Universidade de Brasília), aponta gasto anual de cerca de R$ 30 milhões com despesas que não estavam sendo executadas, já que havia cargos vagos.
Em uma tentativa de agradar Bolsonaro, a aprovação do projeto também contou com lobby do centrão, grupo de partidos composto por PL, PP e Republicanos, entre outros, e que, após negociar apoio por cargos, se tornou a base informal do presidente na Câmara.
A criação do tribunal, porém, foi cercada de controvérsias. Em uma rede social, o ministro do STF Gilmar Mendes afirmou que a instalação do TRF-6 era inoportuna e que, mesmo mantido o orçamento, prover os novos cargos implicaria aumento de despesa durante a crise sanitária do novo coronavírus.
Cássio Telles, presidente da seção paranaense da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), lembra que, em 2013, o então presidente do STF, Joaquim Barbosa, deferiu liminar suspendendo efeitos de emenda constitucional que criava o TRF-6 e mais três tribunais regionais federais no país (das 7ª, 8ª e 9ª Regiões).
Ele critica o fato de o STJ ter enviado ao Legislativo apenas a proposta de criação do tribunal de Minas, desconsiderando as outras três cortes. Além disso, contesta a aprovação em meio à pandemia. “O momento não é para isso. A gente não discute a necessidade, Minas tem um volume de recursos muito elevado. Mas não é hora de discutir isso”, afirmou Telles.
“Há uma crise sanitária enorme demandando investimentos altíssimos, o governo gastando com auxílio emergencial que tem que dar à população carente, empresas fechando, e poder público falando em criar tribunal?”, disse.
O próprio presidente da Câmara disse que só colocaria o projeto na pauta para honrar um compromisso assumido com a bancada mineira. “Nós estamos votando essa matéria só por decisão da bancada mineira que, unida, pediu a votação da matéria. Todo mundo sabe qual era minha posição posição pessoal em relação a esse tema, acho que não é hora de tratar de criação de uma nova estrutura”.
O relator do texto na Câmara, Fábio Ramalho (MDB-MG), afirmou à reportagem que, apesar da visão de Maia de que não seria o melhor momento para criar o TRF-6 e que ele seria oneroso, não haveria aumento de despesas por causa da conversão. A defesa é de que cargos do TRF-1, que atualmente abrange Mina Gerais, serão transformados.
O relator também respondeu a outra crítica, sobre a pertinência da criação de um tribunal durante a crise da Covid-19. Segundo ele, o TRF-6 não deve ser instalado antes do fim da pandemia e, quando vier a ser instalado, será importante dado o volume de pendências jurídicas.
“Nós [na Câmara] não paramos de votar tudo o que se tem que votar. A criação do tribunal é necessária porque muitas pendências jurídicas vão bater nas portas dos tribunais federais. E a instalação não vai ser agora, vai ser após a pandemia. Nós acolhemos uma emenda de autoria do PSB e do PT justamente nesse sentido”.
O relator também defendeu que o formato do novo tribunal deve ser mais moderno e rápido. “Vai ser tudo digital, os processos vão ser digitais. Ele vai ser um tribunal moderno, ele fica mais em conta e vai ter mais celeridade para julgar os processos”.