Do Estadão Conteúdo
BOA VISTA – Uma notícia falsa gerou ameaças de morte e linchamento virtual contra um integrante de uma organização jesuíta que atende refugiados em Boa Vista, Roraima. Por meio do WhatsApp do Estadão Verifica — (11) 99263-7900 —, leitores enviaram um vídeo que mostra orientações jurídicas para a desocupação de um grupo de venezuelanos de um imóvel. No entanto, a filmagem foi compartilhada como uma ‘lição’ sobre como ‘invadir a casa dos brasileiros’. No Facebook, uma das postagens do filme teve mais de 580 mil visualizações em pouco menos de 24 horas.
De acordo com o SJMR (Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados), a gravação foi feita após a desocupação de uma pousada na capital roraimense que, segundo a organização, estava abandonada. A assessoria de imprensa da entidade informou que o que é visto no vídeo não é um incentivo à invasão de propriedades brasileiras, e sim a orientação sobre o processo legal de desocupação. O SJMR afirma que os venezuelanos estavam no imóvel há quatro meses.
Na filmagem, um representante da ONG afirma que os ocupantes não podem ser retirados pela Polícia Militar. O homem, que é advogado registrado na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo, explica que é necessária uma ordem judicial para expulsar os invasores do local.
“Entendemos que as entidades responsáveis pela realização da reintegração de posse são públicas e respondem à decisão de um juiz de Direito. Qualquer outra forma de intervenção forçada frente a estas populações é arbitrariamente constituição de crime, desrespeito às leis republicanas e aos princípios fundantes do Estado Democrático de Direito”, afirma uma nota do SJMR.
O presidente da OAB de Roraima, Rodolpho Morais, disse em entrevista ao jornal local Folha de Boa Vista que o advogado será submetido ao Conselho de Ética da instituição. “Nós não temos como julgar se a orientação dele foi certa ou errada, uma vez que a investigação ainda será aberta, por meio de um ofício, para que haja esclarecimento. Ele terá direito de recorrer ou entrar com recurso”, disse.
Ameaça de morte
Após a publicação do vídeo, o perfil pessoal, o número de telefone e a inscrição da OAB do advogado do SJMR foram vazadas com xingamentos. De acordo com a instituição, também foram enviadas ameaças de morte. A página “Roraima Sem Censura” escreveu que o representante da organização foi “diagnosticado pela psiquiatria como psicopata” e “veio para o Estado de Roraima formar quadrilha e implantar o terror às famílias brasileiras de bem”.
O proprietário da página, Ezequiel Calegari, publicou um vídeo em que ele entra na sede da organização jesuíta e desfere ofensas aos funcionários do local. A gravação teve 110 mil visualizações em pouco mais de um dia. Candidato a deputado estadual pelo partido Patriota, Calegari disse acreditar que a ONG de fato estava incentivando invasões de terra. Perguntado se sabia da veracidade das acusações contra o representante do SJMR, afirmou: “Eu não sei, eu publico as coisas pra agradar meus eleitores”.
A Cáritas Brasileira, organismo da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) publicou uma nota em apoio ao SJMR, destacando que a entidade foi fundada em 1980 e tem capítulos em cerca de 50 países. No Brasil, há escritórios em Belo Horizonte, Porto Alegre e Boa Vista — este último, inaugurado em 2017.