Por Vinicius Sassine, da Folhapress
MANAUS – A empresa responsável pela operação da usina hidrelétrica de Belo Monte diverge de recomendação do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para reparação financeira a pescadores do rio Xingu e propõe uma ajuda, a ser repassada em três parcelas anuais, para desenvolvimento de projetos de geração de renda.
A proposta da Norte Energia foi descrita num documento enviado ao Ibama no começo de outubro.
O órgão fez uma análise sobre o cumprimento das condições firmadas para a licença de operação da usina e recomendou que a Norte Energia pague indenizações a um grupo inicial de 785 famílias de pescadores impactadas pelo empreendimento, como a Folha de S.Paulo mostrou em reportagem publicada no dia 8. Outras famílias precisam ser ressarcidas, segundo o Ibama.
O período a que a reparação se refere é de dois anos e dois meses, tempo em que a Norte Energia falhou na execução de ações de mitigação de danos aos pescadores, conforme parecer técnico do Ibama de 24 de junho deste ano.
A licença de operação de Belo Monte está com prazo de validade vencido desde 25 de novembro de 2021. A renovação depende de atendimento a recomendações do Ibama, como a apresentação de proposta de reparação a pescadores que sofrem com o represamento, a formação de reservatórios, o controle da vazão de água e as falhas de mitigação apontadas pelo órgão ambiental.
Em resposta ao parecer do Ibama, a Norte Energia faz uma proposta diferente.
A empresa propõe um “aporte de valor individual por pescador do universo cadastrado, a ser repassado em três parcelas anuais”. O objetivo dos aportes é o desenvolvimento de “projeto de geração de renda em conformidade com as vocações, aspectos culturais e dinâmica socioeconômica dos pescadores”.
Os pescadores contariam ainda com assistência técnica, ao longo de três anos. Essa assistência já está prevista como condição para a emissão da licença de operação e consta das recomendações feitas no parecer do Ibama.
Os aportes devem ser feitos a 1.976 pescadores cadastrados entre 2017 e 2019, segundo a Norte Energia. A partir do repasse da primeira parcela, a equipe de assistência técnica fará uma avaliação dos “projetos produtivos”. Somente mediante essa análise haverá pagamento das outras duas parcelas, conforme a empresa.
A Norte Energia afirmou que a proposta será apresentada aos pescadores em reuniões disse estar disponível para dar mais detalhes ao Ibama.
Em nota, a empresa afirmou não ter descumprido medidas de compensação. “A Norte Energia participou hoje [quinta, 13] de entendimento envolvendo o Ibama e lideranças da categoria de pescadores, em Altamira [PA], oportunidade em que deu conhecimento às lideranças de reunião agendada com Ibama sobre proposta de medida compensatória”, disse.
Propostas de compensação foram alteradas a partir de questionamentos dos pescadores à atuação de seus próprios representantes, segundo a empresa. “Tão logo seja definida uma solução, esta será apresentada aos próprios pescadores”.
O Ibama não respondeu aos questionamentos.
Reportagem publicada pela Folha de S.Paulo no dia 8 mostrou a situação de penúria de pescadores da região da Volta Grande do Xingu impactados por Belo Monte, seis anos após a usina começar a operar e três anos depois do início do funcionamento de todas as suas unidades geradoras. Não há mais reprodução de peixes, diante de um controle artificial da vazão – e de uma liberação de água insuficiente.
O hidrograma adotado – a vazão de água liberada a partir do represamento para o funcionamento da usina – é insuficiente para a pesca como subsistência, e os pescadores não se adaptaram a outras atividades, como a plantação de cacau ou a criação de peixe em tanques.
O mesmo quadro é descrito no parecer técnico do Ibama de junho. “A pesca local, em qualquer das modalidades, vem passando por um processo de degradação”, afirmam os técnicos do Ibama no documento. “Esse fenômeno vem erodindo a capacidade dos pescadores de gerar rendimentos econômicos satisfatórios através de sua atividade, bem como de obter pescado como fonte principal de proteína animal na mesa de suas famílias”.
O MPF (Ministério Público Federal) calcula que mais de 4.000 pescadores foram impactados pela usina, que, em 2021, atendeu apenas 5% da demanda nacional por geração de energia.
Belo Monte teve os primeiros estudos de viabilidade elaborados na ditadura militar, na década de 1970. O governo Lula (PT) viabilizou as primeiras licenças, e as obras se deram no governo Dilma Rousseff (PT). No primeiro ano do mandato, o governo Jair Bolsonaro (PL) concluiu as unidades geradoras e inaugurou o conjunto completo.
A Norte Energia, que tem na composição acionária Eletrobras, Petros, Funcef, Neoenergia, Vale, Sinobras, Light, Cemig e J. Malucelli Energia, disse considerar que a licença de operação da usina está em vigor, nos termos da lei, até que ocorra decisão do Ibama sobre o pedido de renovação.
Sobre a quantidade de água destinada para a Volta Grande do Xingu, a Norte Energia afirmou que isso foi objeto de estudo e previsão no licenciamento ambiental.
A empresa disse que “cumpre rigorosamente os compromissos estabelecidos no âmbito da concessão e do licenciamento ambiental”. Relatórios periódicos enviados ao Ibama mostram isso, segundo a Norte Energia.
Ainda conforme a empresa, a taxa de consumo de peixe pelos ribeirinhos está acima das médias nacional e mundial, e um incremento de renda levou a uma elevação das famílias para a linha acima da pobreza.
“A Norte Energia promoveu assistência técnica a projetos de psicultura, fortalecimento da pesca, lavoura de cacau e extrativismo vegetal”, disse.
O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.