A intimidade, a cada dia mais incerimoniosa, lançou âncoras entre Neymar e a bola, estabelecendo entre eles uma ponte sólida e definitiva. Ambos conversam e se dão completamente, suor e contentamento, com se fossem irmãos siameses. Quase não há lugar para a tristeza, tal o carinho e a dedicação que cultivam quando rolam juntos pelos gramados do mundo.
A bola o vê como criança eterna e Neymar a vê como o presente que ganhou ainda menino. Desde então, com juras de amor que não deverão se perder com o tempo, vivem uma relação de ternura recíproca, que se torna mais próxima e fecunda a cada jogo. Trato feito, lá atrás, nos albores da vida, um jamais conseguirá existir sem o outro, como amantes apaixonados e irrenunciáveis.
Ela adora conviver entre suas pernas, deixando-se seduzir pela condução desconcertante de seu dribles fascinantes, em idas e vindas, avanços e recuos, sempre rápidos e fulminantes, que deixam perplexos e tontos os contendores na cancha adversária. A esfera, mais do que amigável, amorosa, curva-se sob o embalo de suas chuteiras e sai estendendo-se veloz, em contato com as gramíneas verdes, a caminho do gol, que sempre acontece com orgasmo, gloriosa e feliz, no fundo da rede.
Ele, sempre menino, cujo sorriso de som espontâneo, não elaborado, denuncia a idade que lhe vai na alma, comemora o triunfo sempre com discrição e elegância, permitindo-se um ou outro gesto mais afirmativo de punhos e saltos, como se pedisse licença ao objeto maior de sua paixão. Ao falar com sua gente, articula-se com cautela e prudência, recolhendo-se numa modéstia real e natural, nunca forçada, que se manifesta desde os primeiros passos nos campos infantes.
Cada embate é um momento especial e cada encontro com a bola revela-se na magia de pés entrelaçados pela ginga brasileira e santa, uma herança transmitida pela negritude, com toda a carga de sofrimento e alegria. A finta anuncia-se logo, insinuante e irresistível, fazendo com que o contendor prove o sabor da grama, desconcertado e vencido. Um, dois, três, quatro, infiltra-se numa arrancada incontida, que se perfaz no gol ou em passes absolutamente certeiros, deixando o atacante cara a cara com o goleiro esbaforido, dobrado pela bola que invade implacável seus domínios vazados.
Os cabelos crespos, ainda que com disfarces mais do que justificados, expõem as origens e guardam lembranças das ondulações de Garrincha, outro gênio da história do Brasil nas quatro linhas. E quanta identidade no campo entre eles, na construção de jogadas que invariavelmente marcam em favor de suas equipes. Na interação com a pelota, uma relação de sensível cumplicidade.
Na entrevista, última antes do jogo de abertura da Copa do Mundo, ao lado do técnico Felipão, Neymar mostrou-se inteiro, como de fato é, sem as firulas típicas do futebolista deslumbrado. Foi enfático e verdadeiro, ao declarar que pretendia apenas ser campeão mundial, com sua equipe. Afastava, assim, qualquer sôfrega aspiração de alcançar os títulos de maior artilheiro do certame e de melhor jogador da Copa, embora tais conquistas estivessem no estuário natural de um craque de sua estirpe. Como quem diz: que venha, se vier. Embora consciente de suas responsabilidades e de seu fantástico brilho pessoal, fez questão de apresentar-se apenas como mais um no conjunto do escrete, uma peça na engrenagem, voltados todos à obtenção da glória suprema, o hexacampeonato.
Com a Croácia, definiu a primeira partida, como certamente haverá de decidir tantas outras, com dois gols. Um deles, o primeiro, preciso, no canto esquerdo, com um leve toque na baliza, característica de quem alia talento e sorte, que só premiam os eleitos pelos deuses do futebol. O outro, de pênalti, um baque forte, que ainda tocou as mãos do quíper, a fim de deitar inapelável dentro das traves inimigas.
Neymar, em seu jogo de estreia na Copa do Mundo, impôs-se e fez história, como ressaltou a imprensa desportiva nacional e internacional, junto com seus orgulhosos admiradores. Superou, em situações semelhantes, a marca de estrelas notáveis do presente e do passado, indo além de Messi, Cristiano Ronaldo, Pelé, Ronaldo e Romário. Mesmo assim, quando indagado a respeito, fez questão de ressaltar que não gostaria de estabelecer qualquer comparação com ídolos de tamanha dimensão, recolhendo-se mais uma vez na singeleza de seu caráter.
Salvou a Pátria, com ou sem chuteiras, com sua inata vocação e suas manhas, manhas de menino para sempre, de um brasileiro que honra o esporte de todos os brasileiros, num convívio de extraordinária benquerença e gentileza entre ele e a bola.