Por Igor Gielow, da Folhapress
SÃO PAULO – O governo russo sedia nesta sexta, 9, a primeira rodada de negociações visando um cessar-fogo entre a Armênia e o Azerbaijão.
Desde o domingo retrasado, 27, ambos os países se enfrentam após forças azeris atacarem o encrave armênio de Nagorno-Karabakh, região com território equivalente a duas vezes o do Distrito Federal que disputam desde os anos 1990.
Os chanceleres Çeyhum Baymarov (Azerbaijão) e Zohrab Mnatsakanyan (Armênia) voaram à capital russa e, no final da tarde (fim da manhã em Brasília) sentaram-se à mesa com o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov.
Em pronunciamento, o presidente azeri, Ilham Aliyev, disse que aceitava os princípios de negociação propostos pelos russos, franceses e americanos na véspera, quando Baymarov esteve com enviados do grupo em Genebra.
Mas ele também disse que espera a “desocupação” de terras azeris por parte dos armênios, o cerne da questão. O governo da Armênia já havia dito aceitar conversar.
Rússia, França e Estados Unidos integram o chamado Grupo de Minsk, criado em 1992 para mediar a guerra aberta entre os vizinhos no Cáucaso, ocorrida após o fim da União Soviética e que foi congelada por um cessar-fogo em 1994.
“Conversas sobre um cessar-fogo não são um cessar-fogo. Isso pode levar dias, ou até semanas”, afirmou por telefone Ruslan Pukhov, diretor do Centro de Análises de Estratégias e Tecnologias, de Moscou. “A violência deve continuar.”
Nesta noite, segundo relato do escritório de direitos humanos de Stepanarket, a capital de Nagorno-Karabakh, houve mais bombardeios azeris. Baku, por sua vez, anunciou no Twitter que cidades fronteiriças azeris foram novamente alvo de ataques armênios.
Mas o movimento, se bem sucedido, será uma vitória política para o presidente Vladimir Putin. Pela primeira vez desde que anexou a Crimeia em 2014, o russo está sendo apoiado numa iniciativa diplomática clara por potências ocidentais.
Putin vive hoje uma crise tríplice em suas fronteiras estratégicas, com a convulsão política devido a fraudes alegadas em eleições nos aliados Belarus e Quirguistão, além da guerra no Cáucaso.
O conflito era o mais agudo de seus problemas, não só por desestabilizar a sua importante fronteira sul como pelo risco de evoluir para uma guerra regional envolvendo diretamente forças do Kremlin, que tem uma base militar e um tratado no qual prevê defender Ierevan, e da Turquia, que é a patrocinadora do regime de Baku.
Tal temor foi expresso abertamente por um ator interessado, o Irã, que possui 25% da população com origem azeri, e a União Europeia.
O Grupo de Minsk agiu em conjunto, num raro momento em que potências ocidentais franquearam ao presidente russo a prerrogativa de descascar o abacaxi. Putin agiu pessoalmente, falando com os líderes de ambas as nações beligerantes ao longo da crise e na noite de quinta.
A disputa ocorre com o Azerbaijão em uma posição de força. Após ter anunciado a tomada de alguns pontos estratégicos em torno de Nagorno-Karabakh, o país passou a uma campanha ostensiva de pressão sobre o governo separatista local.
A região, chamada pelos locais de Artsakh, é território historicamente armênio, com 99% da população pertencente ao grupo étnico. Mas ela ficou perdida dentro do Azerbaijão, assim como um pedaço azeri existe no sudoeste da Armênia, no retalhamento da região promovido pelo então responsável pelo Cáucaso na União Soviética, o futuro ditador Josef Stálin, em 1920.
Todo o território foi incorporado ao império comunista, que ruiu em 1991, mas as divisões visavam esvaziar ímpetos nacionalistas e também aplacar a nascente República da Turquia, que surgiria dos escombros do Império Otomano e tinha acabado de promover o massacre conhecido como genocídio armênio.
O Cáucaso era a fronteira entre os domínios otomanos e russos, e assim permaneceu. Com o ocaso soviético, os nacionalismos ressurgiram, e o conflito desaguou numa guerra cruenta, que matou entre 17 mil e 30 mil pessoas.
O conflito atual é o mais sério desde então. Segundo o governo da chamada República de Artsakh, morreram 376 militares até aqui, além de dezenas de civis. Baku reconhece mais de 30 civis mortos, mas não revela suas baixas fardadas.
Baku quer a volta de Nagorno-Karabakh, juridicamente seu território, e a desocupação militar de sete distritos em torno da área, que a Armênia usa como tampão para proteger o encrave. Já a Armênia busca a autonomia da região.
Nos últimos dias, os armênios já haviam dito a Putin que topavam fazer concessões, o que deve implicar a saída das regiões azeris ocupadas. Não se antevê, contudo, uma cessão de soberania em Nagorno-Karabakh, e é aí que as conversas precisam avançar.
Do ponto de vista militar, Baku está numa posição favorável, mas a Armênia resistiu bem até aqui. Se conseguir um cessar-fogo que seja, Putin já poderá cantar vitória sobre o presidente turco Recep Tayyip Erdogan, mas tudo ainda dependerá dos termos da negociação.
Para o analista Pukhov, o apoio militar da Turquia fez toda a diferença em relação aos conflitos pontuais que eclodiram em outras ocasiões, como em 2014 e 2016. Ele crê que as negociações não poderão, ao fim, alienar Ancara.
Erdogan e Putin são aliados reticentes, com diversas rivalidades em locais como Síria e Líbia, mas também parcerias energéticas e militares, apesar de a Turquia ser membro da Otan, a aliança liderada pelos Estados Unidos.