Ana Estela Pinto, da Folhapress
BRUXELAS – No ano do coronavírus, a primavera europeia começou pela República Tcheca e pela Eslováquia e chegou a conta-gotas aos 33 dentre os 36 maiores países que implantaram restrições amplas contra a pandemia. Nesta segunda (11), outros cinco países (incluindo a França) entram para o grupo de 23 que já relaxaram amarras. O Reino Unido pode aumentar a lista –o primeiro-ministro, Boris Johnson, deve anunciar seus planos na noite deste domingo, 10.
Na terça, 12, será a Letônia, na quarta, a Finlândia (que não impôs ‘lockdown’, mas fechou escolas que agora começa a reabrir). Na sexta, Estônia e Romênia. Quando chegar a outra segunda, 18, a Irlanda colocará ponto final na temporada de quarentenas totais no continente.
Nos anúncios feitos pelos 33 governos fica claro que sair do confinamento é bem mais difícil que entrar. Com suas populações represadas em casa por períodos variáveis (cerca de 20 dias, para tchecos e eslovacos; até dois meses, para franceses e romenos), cada país traçou planos elaborados para abrir uma torneira de cada vez e evitar um fluxo humano descontrolado que ponha a perder os avanços contra o coronavírus.
Na Polônia, a saída começou por parques e florestas, enquanto a Albânia liberou mineração e pesca, e a Noruega deixou as crianças voltarem à pré-escola. A Suíça liberou cabeleireiros no primeiro dia, mas na Bélgica eles só virão numa terceira etapa, e na Eslováquia, mais de um mês depois que a abertura do comércio começou a se expandir.
O descongelamento será por regiões nos cinco maiores países europeus –Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Espanha. Nas Ilhas Canárias tudo voltou ao normal, mas Madri terá que esperar pelo menos mais uma semana. Paris está na zona vermelha, enquanto Roma pode ser mais flexível que o norte italiano. Escócia e Irlanda do Norte não vão seguir o calendário de Inglaterra e Gales.
Na Alemanha, a chanceler Angela Merkel anunciou um freio de segurança: o distrito que tiver um repique de coronavírus volta para a quarentena. Houve o mesmo alerta na Itália, na França e na Espanha: um passo de cada vez, e, se for necessário, em marcha a ré. Na Dinamarca, por exemplo, a taxa de infecção foi de 0,6 para 0,9 depois da reabertura das escolas, no último dia 15. Mas o governo diz que isso não indica uma aceleração no ritmo de contaminação.
A cautela vem do fato de que, cinco meses depois de o coronavírus despontar na China e 135 dias depois de sua chegada à Europa, ainda há muitas questões não respondidas sobre a doença que até a noite de sexta tinha levado a vida de mais de 150 mil moradores do continente. O que já se sabe é que o vírus entra no corpo pelas vias respiratórias (e pelos olhos) e pode ser transmitido por gotas de saliva ou mãos que se contaminaram nas superfícies onde ele sobrevive.
Com o que já se sabe, a OMS (Organização Mundial da Saúde) listou condições para uma saída segura da quarentena. São seis: 1) transmissão controlada; 2) capacidade de testar, rastrear e isolar suspeitos e contatos; 3) controle dos casos importados; 4) informação e engajamento da população; 5) medidas de distanciamento e proteção onde houver convivência pública (escolas, empresas) e 6) controle de contágio em instituições como asilos e prisões.
Já é um esboço de caminho, mas para navegá-lo são precisos indicadores de desempenho em cada quesito, e eles são ainda incompletos. A Universidade de Oxford, que desde março fez um levantamento extensivo de políticas adotadas em vários países, criou parâmetros para quatro deles e montou um “ranking de preparo para deixar a quarentena”.
Na conta divulgada em 1º de maio, Croácia e Albânia são os países com mais controle: com nota 9 numa escala de 0 a 10. Na lanterna, com 4, estão a Suécia (que restringiu aglomerações, mas não fechou escolas ou empresas) e a Alemanha, que é forte na disciplina da população e no controle de casos importados, mas ainda tem um número significativo de novos casos e não completou o sistema de rastreamento de contatos.
Mas ninguém consegue definir quais os melhores indicadores, disse nesta sexta o diretor-executivo da OMS, Michael Ryan. Segundo ele, os técnicos da entidade estão acompanhando as diversas medidas adotadas no mundo e a evolução epidemiológica, para tentar entender o impacto das políticas. Mas são tantas as variáveis que é impossível chegar a fórmulas únicas.
“Tudo indica que existe uma rota de saída, mas que temos que seguir bem devagar, com paciência e perseverança. Uma volta cuidadosa das aulas e do trabalho parece estar sendo bem-sucedida. Mas os grandes shows dificilmente voltarão neste verão”, disse ele.
Um repórter perguntou então ao epidemiologista: “Quando poderemos voltar a nos cumprimentar com um beijo ou um aperto de mãos? É questão de meses? De anos?”. Ryan, 55, deu um longo suspiro e um sorriso entre exausto e triste antes de responder: “Você reflete nosso desejo humano, de nos conectarmos. Nós também queremos voltar a dar as mãos, não somos cientistas a querer dar ordens aos outros. Mas pode ser que tenhamos que alterar significativamente nosso modo de vida até existir uma vacina ou tratamento. Ninguém estará a salvo até que todos estejam a salvo”.