Por Felipe Campinas, do ATUAL
MANAUS – Com a ordem de desmonte dos flutuantes no rio Tarumã-Açu, na margem esquerda do Rio Negro, moradores do bairro Educandos, na zona sul de Manaus, temem a migração de embarcações para a orla de Manaus e a reconstrução da “Cidade Flutuante”, que começou a ser erguida no local na década de 1950 e foi destruída em 1967.
De acordo com catraieiros que trabalham no local, nos últimos dias, embarcações começaram a se instalar nas proximidades da Ponte Ponte Antônio Plácido de Souza, mais conhecida como Ponte do Educandos, e se uniram às que estão no local há alguns anos. A reportagem identificou que algumas delas tem características de flutuante usado para lazer.
Representantes de ONGs que atuam naquela região da cidade afirmam que as embarcações estão migrando do Tarumã-Açu, que será alvo de desmonte a partir desta semana. Em razão disso, as entidades pediram à Justiça, nesta segunda-feira (18), que a operação de retirada também alcance os flutuantes que atualmente estão no bairro Educandos.
“Assim procedendo, vossa excelência estará livrando a cidade de Manaus do retorno da malfadada ‘cidade flutuante’ de triste memória”, diz trecho da manifestação protocolada pelo ICDSAM (Instituto de Cidadania e Desenvolvimento Social do Amazonas) e pelo Gape (Grupo de Apoio ao Prosamim do Educandos) no processo em que foi determinada a retirada dos flutuantes.
No documento, as ONGs fazem referência à “cidade flutuante” da orla de Manaus, desmontada entre 1966 e 1967. A cidade sobre as águas do rio Negro chegou a ter 2.145 flutuantes em 1964, e só foi desmontada pelo governador Arthur Cézar Ferreira Reis, o primeiro governador do Amazonas no regime militar, que ficou no cargo de 1964 a 1967.
“Naquele tempo, era muito pequena a estrutura do governo. Mas, mesmo assim, em menos de três meses, ele [governador] conseguiu demolir milhares de casebres flutuantes que infestavam o igarapé. Era uma coisa horrível, muito nojenta, repugnante”, afirmou o ex-deputado estadual Erasmo Amazonas, morador do bairro Educandos.
Nas proximidades do local onde estão os flutuantes existe a Estação de Tratamento de Esgoto Educandos, considerada a maior da região norte do país. Ela custou R$ 44,4 milhões, pagos com dinheiro de empréstimo e do tesouro estadual, e foi entregue ao Grupo Aegea, que controla a concessionária Águas de Manaus.
Para as entidades, a realidade do local destoa do propósito da estação. “O governo investiu milhões para construir a mais moderna estação de tratamento de esgoto no igarapé do Educandos e, agora, no seu entorno, vários flutuantes usam as águas como privada e depósito de resíduos sólidos, o que vem a ser uma grande incoerência”, afirmam as entidades.
As ONGs afirmam que os flutuantes não dispõem dos equipamentos de recolhimento de dejetos e resíduos sólidos, que são jogados nas águas já poluídas do igarapé. Afirmam também que, além de produzirem poluição ambiental, as embarcações produzem poluição visual na frente da cidade de Manaus, prejudicando o turismo.
As entidades também apontam atividades de risco. “Alguns desses flutuantes servem de ‘vigias’, ancoradouros de lanchas com os taques abastecido com combustível inflamável, o que pode causar uma grande explosão seguida de incêndio com prejuízos financeiros, materiais, mortes e danos à estrutura da ponte”, diz trecho da manifestação.
De acordo com a prefeitura, a retirada dos flutuantes deve começar nesta semana pelas estruturas abandonadas e, posteriormente, pelas embarcações destinadas exclusivamente para lazer, hospedagem e de uso comercial. As informações foram divulgadas em outdoors instalados no dia 8 deste mês na Marina do Davi e na Praia Dourada, na zona oeste de Manaus.
Ao iniciar a operação de “limpeza” do Tarumã-Açu, a prefeitura cumpre ordens do juiz Moacir Pereira Batista, da Comarca de Manaus. A última foi proferida no dia 29 de fevereiro, ocasião em que o magistrado determinou que o município cumprisse outra decisão proferida em julho de 2023, sob pena de multa de R$ 15 milhões em caso de descumprimento.
Leia mais: Juiz autoriza uso da polícia e ordena a retirada de flutuantes do Tarumã-Açu
Retirada de flutuantes
A retirada dos flutuantes do Tarumã-Açu foi ordenada pelo juiz Moacir Pereira Batista em julho do passado e, inicialmente, deveria ter sido cumprida até o dia 31 de dezembro. A retirada deve ocorrer por fases, iniciando por aqueles flutuantes utilizados para lazer, recreação ou locação por temporada, diária ou final de semana.
Moacir também afirmou que a Prefeitura de Manaus deveria “manter os moldes atuais” das notificações que vinha fazendo no Tarumã-Açu, “além de acrescentar notificações por meio de placas na orla esquerda do Rio Negro, principalmente na Marina do Davi, na Orla do Educandos, na Orla da Manaus Moderna e na Praia Dourada”.
A ordem foi parcialmente cumprida. A procuradora do município Ellen Larissa Frota de Carvalho comunicou à Justiça que a prefeitura notificou 913 flutuantes, sendo 194 residenciais, 251 garagens de embarcações, 415 comerciais e 53 piers, mas que a retirada das embarcações esbarrava em questões financeiras e logísticas.
Em agosto e setembro, a prefeitura alegou que a tarefa ordenada pela Justiça tinha sido orçada em R$ 16 milhões e que o município não tinha o montante para essa finalidade. A prefeitura comunicou, ainda, que o período da vazante dificultava a ação porque havia risco de as embarcações encalharem em bancos de areia.
Em outubro de 2023, ao rejeitar recurso da prefeitura, o juiz fixou em R$ 500 mil a multa diária em caso de descumprimento. “Assim, não sendo cumprida tal ordem até dia 31/12/2023, imponho a multa de R$ 500.000,00 por dia de descumprimento até o limite de 30 dias-multa, sem prejuízo de eventual majoração”, diz trecho da decisão.
No segundo semestre do ano passado, donos de flutuantes suspenderam as atividades em razão da estiagem no estado, que foi severa. No início deste ano, com a subida do Rio Negro, as embarcações usadas para lazer voltaram a funcionar, mesmo com ordem judicial que ordenou a retirada delas e com a notificação da prefeitura para que saíssem do local.