Em Psicologia Social, casos típicos de dissonância cognitiva ocorrem quando há uma discrepância entre crenças e comportamentos. Por exemplo: quando uma pessoa tem uma opinião sobre algo (beber e dirigir são atos perigosos), mas age diferente do que acredita. Uma das formas de conviver com a sensação de desconforto psicológico resultante dessa discrepância é reduzir ou racionalizar a importância da crença em conflito. Se um indivíduo aprende que as emissões de gases de efeito estufa provocam o aquecimento global e, mesmo assim, continua a dirigir um veículo com elevado consumo de gasolina, ele passa a se apoiar em informações alternativas que contestam a conexão entre a emissão de CO² e o aquecimento global, buscando reduzir essa dissonância cognitiva e o consequente desconforto. Vejamos o caso do desmatamento de florestas prístinas para a expansão da produção agropecuária no Brasil.
Podemos identificar, historicamente, uma dualidade estrutural na agricultura brasileira. De um lado, temos uma agricultura tradicional de baixa produtividade dos fatores de produção, com elevada taxa de exploração da mão de obra, propensa ao uso predatório dos ecossistemas, com inexpressivo ritmo de progresso tecnológico e eventuais relações de produção pré-capitalistas.
Do outro lado, uma agricultura moderna, cuja produção de proteína animal e de proteína vegetal se situa no que se denomina de agronegócio. Essa nova agricultura familiar ou corporativa que emergiu, principalmente, a partir dos anos 1970, é atualmente o segmento produtivo mais relevante para a economia brasileira, com elevada propensão a inovações tecnológicas. É competitiva globalmente, com capacidade de gerar, em condições macroeconômicas favoráveis, quase 90 bilhões de dólares de superávit na balança comercial. É responsável por poderosas cadeias de valor, através de seus efeitos de espraiamento intersetorial para frente e para trás, tendo a sua expansão contribuído para que a recessão econômica brasileira de 2014 não se transformasse em depressão econômica nos anos seguintes. Sob o aspecto distributivo, a nova agricultura provocou intensa redução do custo da cesta básica, beneficiando, principalmente, os grupos sociais de baixa renda para os quais o peso das despesas com alimentos no orçamento familiar é maior.
Todas as projeções da FAO mostram que a demanda mundial de alimentos deverá crescer consistentemente ao longo das próximas décadas. Ademais, há sinais de crise potencial na oferta de alimentos, com tensão sobre a base de recursos naturais do Planeta e com os impactos adversos das mudanças climáticas sobre os recursos hídricos e a qualidade dos outros recursos.
Nesse contexto, há uma grande pressão de algumas lideranças do campo para afrouxar as regulamentações oficiais sobre o uso sustentável dos recursos da terra, particularmente as normas ambientais sobre o desmatamento de matas prístinas. Trata-se de um caso típico de dissonância cognitiva de grandioso número de produtores rurais: têm a percepção de que a preservação ambiental é fundamental para o desenvolvimento sustentável no médio e no longo prazo de suas áreas de negócios, mas se comportam politicamente como se o maior fator restritivo à expansão da produção agropecuária fosse a legislação ambiental, mas não a falta de progresso científico e tecnológico e a ausência de um uso mais intensivo de fatores especializados e diferenciados no campo. Enquanto prevalecer essa dissonância, é recomendável que não haja nenhuma integração funcional do Ministério do Meio Ambiente com o Ministério da Agricultura, os quais devem conviver com um contraditório benfazejo para o pluralismo ideológico da democracia brasileira.
A grave questão dessa dissonância cognitiva é a de produtores tratarem o meio ambiente como um almoxarifado de recursos naturais de livre acesso e de demanda irrestrita, levando à sua sobre-exploração, contrariamente aos interesses da sociedade em geral, principalmente das futuras gerações. Como diz o médico indiano Deepak Chopra: toda vez que você tentar reagir da mesma maneira antiga, pergunte se você quer ser um prisioneiro do passado ou um pioneiro do futuro.
Paulo R. Haddad é professor emérito da UFMG. Foi Ministro do Planejamento e da Fazenda no Governo Itamar Franco.
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