Por Paulo Saldana, da Folhapress
BRASÍLIA – Mesmo sem uma regulamentação sobre ensino domiciliar, o MEC (Ministério da Educação) tentou criar uma cadeira cativa para representante do tema no FNE (Fórum Nacional de Educação).
Colocada à votação nesta quarta-feira, 11, a proposta do governo Jair Bolsonaro (sem partido) acabou rechaçada. Foram 16 votos contrários e 8 a favor –todas as manifestações favoráveis vieram de representantes do MEC.
O FNE é a principal instância de articulação da pasta com a sociedade civil. Conta com representações de entidades de educação e membros de várias áreas da pasta.
A educação domiciliar é uma agenda de alguns grupos religiosos que ganhou força no atual governo. Como aceno à ala conservadora, Bolsonaro elegeu o tema como prioridade no início do governo e prometeu enviar ao Congresso uma medida provisória, mas acabou encaminhando a proposta em projeto de lei, ainda em trâmite inicial.
Para membros do FNE, a iniciativa do MEC foi uma tentativa de obter algum avanço institucional, uma vez que a pauta não tem tramitado no Legislativo.
O governo aproveitou uma discussão sobre o novo regimento do órgão para articular a criação de uma representação fixa do ensino domiciliar. A ação teve atuação direta de membros do gabinete do ministro da Educação, o pastor Milton Ribeiro, e das secretarias de Educação Básica e de Alfabetização.
“O principal fundamento das entidades que integram o fórum pelo indeferimento da criação de uma vaga especifica para homeschooling [educação domiciliar] foi a inexistência dessa modalidade de ensino como algo normatizado e regulamentado no país”, disse a presidente do FNE, Maria Ester Galvão de Carvalho.
A votação no órgão não entrou no mérito sobre a educação domiciliar. Entidades relacionadas à agenda ainda podem pleitear participar do FNE em quatro cadeiras, seja de forma direcionada a familiares de estudantes ou a movimentos de educação.
Políticos e militantes religiosos têm argumentado que o Estado impõe uma educação que poderia afrontar valores familiares, fazendo-se, assim, necessário liberar o ensino fora da escola. Educadores criticam a medida sob o argumento de que ela reduz o direito das crianças à educação plena para atender convicções dos pais.
O FNE havia criado um grupo de trabalho para tratar da questão. Sem consenso, o grupo produziu três relatórios, sendo dois deles de integrantes do MEC.
Em um dos textos, a assessora especial do MEC Inez Augusto Borges argumentou que “a educação domiciliar está fundamentada em uma filosofia clássica de educação, a qual se distancia, em diferentes pontos, da filosofia de educação moderna e pós-moderna, características dos dias atuais nos contextos oficiais de educação”.
Para ela, essa filosofia “moderna e pós-moderna” estaria fundamentada “na visão do ser humano sob uma perspectiva materialista”. Borges foi nomeada assessora por Milton Ribeiro e é defensora da adoção de princípios bíblicos no ensino, como a Folha de S.Paulo mostrou em agosto.
Um relatório contrário foi assinado em conjunto pela Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas, pela Associação Nacional de Educação Católica do Brasil e pela União Brasileira de Estudantes Secundaristas. “A escola não nega o ensino domiciliar, a família tem sempre seu protagonismo assegurado”, diz.
“Qual a real intenção ideológica das famílias homeschooling em negar o ensino escolar? Se essas famílias acreditam que a escola está equivocada em seus procedimentos pedagógicos por que não se unem para fortalecer as instituições educacionais, como está proposto no preceito constitucional, ao invés de retirarem das crianças e jovens o direito de conviver com a diversidade”, diz o documento.
O texto ainda refuta a comparação entre os esforços de manter aulas durante a pandemia com a consolidação do conceito de educação domiciliar.
“Ensino domiciliar não é ensino remoto contingencial, logo, não cabem comparações”, diz. “Especialistas da área, professores e pesquisadores conceituados, são praticamente unânimes em afirmar que a própria escola deverá passar por ajustes, por atualizações, mas em nenhum momento pensou-se em suprimi-la da sociedade.”
O projeto de lei do governo sobre ensino domiciliar prevê cadastro de alunos e avaliações anuais realizados pelo MEC. Caso o aluno seja reprovado por dois anos consecutivos, perderá o direito de estudar nesse modelo.
No ano passado, mesmo sem a legislação aprovada, o governo havia encaminhado aos conselhos tutelares um ofício para que casos de crianças e adolescentes que estudam em casa não fossem considerados evasão escolar.
Uma estimativa da Associação Nacional de Educação Domiciliar aponta que há 15 mil estudantes no modelo no país e aguardando regulamentação.
O STF (Supremo Tribunal Federal) barrou a prática pela falta de legislação a respeito, mas não declarou que ela seja inconstitucional.
Procurado, o MEC não respondeu até a publicação deste texto.