A crise e o conflito condicionam a realidade social que compõe a vida urbana, resultando em inúmeros problemas que se revelam no cotidiano. A cidade que dita o capitalismo é a cidade dos contrastes, sejam eles de riqueza ou de pobreza, é a cidade das deformidades sociais que são impressas e expressas na paisagem urbana. Essas premissas não dizem respeito a uma cidade em específico, claro. As cidades e suas problemáticas em muito são parecidas, mas apresentam suas singularidades.
Poderíamos falar de qualquer outra cidade, mas falamos de Manaus. A cidade entre a crise e o conflito que, por sinal, em meio a pandemia do Covid-19, se fez palco de inúmeras tragédias. Produzidas, anunciadas e negligenciadas, essas tragédias caminham conosco, somos parte delas.
Entre a crise e o conflito, qual é a cidade que possuímos? A crise é exposta abertamente, o conflito é vivido cotidianamente. As tentativas de maquiagem dos problemas da cidade, com eternas promessas de desenvolvimento do potencial turístico, não apagam a concretude do real que nos cerca – como é o caso dos conflitos entre facções criminosas CDN (antiga FDN) e C.V que tomam Manaus como palco de seus conflitos.
Diariamente, acordamos com notícias e mais notícias de assassinatos por todos os cantos da cidade, Manaus figura como uma das cidades mais violentas e com mais homicídios no Brasil.
A onda de ataques realizados pelo Comando Vermelho em Manaus, no dia 06 de junho de 2021, dá contraste à reflexão que aqui traço, sobre uma Manaus entre a crise e o conflito. Diante da situação de disputa entre as facções, observamos a ineficácia do Estado em lidar com a “crise” de segurança pública. Essa ineficácia pode ser entendida a partir da interpretação de que, as facções, assim como as milícias, não formam um “Estado Paralelo” – elas são o próprio Estado em sua forma mais precária. Há um “submundo” compartilhado com o Estado, nada mais que a sua própria ausência-presença.
No Amazonas enxergamos às claras tais questões, vejamos o caso do Governador José Melo, ao negociar com a FDN em 2014 por apoio no segundo turno das eleições estaduais. Assim como, a relação do ex-secretário de Segurança Pública do Amazonas, Louismar Bonates, com negociações com a FDN em 2015 por ampliação de poder da facção em troca de “paz nas cadeias” – e que na crise de junho teve também seu protagonismo, ao ser acusado pela própria C.V de uso e formação de milícia com os braços do Estado.
Numa cidade como Manaus, onde o crime organizado possui papel na produção espacial da cidade, basta olharmos para os casos da extinta ocupação Monte Horebe e da ainda existente Cidades das Luzes, a crise que nos permeia, quando tratamos desses conflitos, nada mais é do que a expressão de correlação de forças dos que disputam o controle e produção territorial da cidade.
Entre a crise e o conflito, o que temos é uma ilusão de combate e de forças repressivas do Estado. Estado e crime organizado possuem relação de submissão e parceria, difícil é identificar quem ocupa qual lugar. O combate ao crime organizado é vulgar, atende à interesse particulares e políticos, não resolve o problema. O crime organizado se mostra mais organizado perante a ineficiência do Estado, dita o jogo político. Ao combater o crime organizado, o Estado combate a si mesmo – o que não é vantajoso.
Entre a crise e o conflito, temos uma Manaus que reproduz incansavelmente suas contradições. Pensar o caminhar da cidade na história, é pensar como nos reproduzimos coletivamente. Caminhamos dia após dia sobre as ruínas da cidade em crise, em eterno conflito.
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