Nesta semana acabam as rápidas férias e retornam as aulas da UFAM, onde lecionarei na graduação de Engenharia Civil as disciplinas Sistemas de Transportes e Planejamento dos Transportes, como parte da formação dos Engenheiros que construirão um futuro melhor do que o nosso presente. Terei ainda a oportunidade de participar de um encontro do Ministério Público do Estado sobre Mobilidade Urbana. Esta busca de um mundo melhor é algo que incomoda a muitos. Que bom.
Este webinário de dois dias está com inscrições disponíveis em https://doity.com.br/ceaf-mpam/inscricao e será gratuito. Estou na expectativa de apresentar uma visão sobre a mobilidade urbana bela que poderia ser iniciada em Manaus, por meio do ser humano no centro das reflexões, com condições adequadas para caminhar, para pedalar, com um melhor sistema de transporte de ônibus e assim por diante. Tudo aquilo que se espera de uma cidade moderna e integrada ao seu meio ambiente. Tudo o que ansiamos para Manaus.
Entretanto, muitos de nós ainda temos a visão embaçada e longe do que é o contemporâneo nas cidades. Mundo afora as bicicletas são adotadas para o transporte de pessoas em seu cotidiano, pela praticidade e custo baixo. Mais recentemente também surge uma tendência de circuitos, com 50km ou mais, que são destinados ao lazer – integrando regiões. Por aqui, ainda estamos com o pensamento centrado no automóvel. Há uma grande oportunidade de começar a mudar este quadro.
Quanto ao belo que podemos buscar, passa pela construção da visão de uma cidade que transcenda o automóvel e se aproxime da natureza. Será melhor se o cidadão se sentir integrado com a cidade. Se a comutação diária fosse feita em menos tempo permitiria uma vinculação das pessoas com as suas comunidades, ao invés de perceber as casas como meros dormitórios.
Por fim, a transformação digital das cidades, com ajustes nos semáforos e diversos fluxos de veículos em conformidade com o equilíbrio da capacidade das vias, provendo um melhor serviço. São muitos desafios, mas todos com solução bem conhecidas. É só se empregar o que já é conhecido, adaptando à nossa realidade.
Augusto César Barreto Rocha é doutor em Engenharia de Transportes (COPPE/UFRJ), professor da UFAM (Universidade Federal do Amazonas), diretor adjunto da FIEAM, onde é responsável pelas Coordenadorias de Infraestrutura, Transporte e Logística.
Os artigos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor e nem sempre refletem a linha editorial do AMAZONAS ATUAL.
O senso comum acerca do praticado Brasil afora, no que tange a comportamento e estrutura de trânsito gera uma previsibilidade instintiva no condutor experimentado.
Desavisado da cultura heterodoxa de tráfego desta cidade, a experiência de dirigir aqui será um excelente exercício de adaptação.
Vindo pra Manaus e pretendendo dirigir, certamente o leitor se beneficiará de algumas dicas básicas:
1 – Se pretende trocar de faixa, nunca use as setas, aqui elas significam que os outros motoristas devem fazer qualquer manobra possível ou imaginável para te obstruir. A forma correta de tentar fazer isso aqui é furtivamente, sem nenhum aviso, como todos fazem, até por que se voce pretende comprar um carro de 20 anos de uso com todas as luzes originais de fábrica, aqui vai encontrar, com certeza. Ninguém vai trocar luzes queimadas se não pretende usar, correto? Principalmente ônibus e caminhões.
2 – Por maior que seja o fluxo e a velocidade permitida na via de mão dupla, você sempre poderá retornar à esquerda, curiosamente, por mais largo que seja o canteiro central, dificilmente tem refúgio, gerando filas facilmente evitáveis, por ter que esperar um intervalo no fluxo para entrar na faixa rápida diretamente.
Pode retornar, sim. Independente de haver uma placa de proibido retornar, aliás, a sinalização de trânsito é um investimento que a prefeitura faz para deixar a cidade mais colorida, tem função meramente decorativa. Se você está na faixa da esquerda, saiba que o carro à sua frente pode desacelerar bruscamente a qualquer momento; e pode ficar tranquilo que não terá sido para evitar uma colisão ou atropelamento, tratam-se somente dos numerosíssimos, convenientes, seguros e bem projetados retornos à esquerda, disponíveis por toda a cidade, para tornar a sua condução uma divertida experiência de suspense e adrenalina.
3 – Outra cultura local que deixa ainda mais emocionante dirigir pela cidade é a que têm os pedestres quanto ao uso da sua faixa; os intrépidos transeuntes simplesmente fazem um gesto austro-germânico, e como sonâmbulos, se lançam, destemidos e aventureiros nas suas cruzadas, então, me permita um adendo, em tempo, à minha dica número (2), referente às emocionantes freadas bruscas na faixa da esquerda; pode ser um super poderoso pedestre, atravessando impavidamente, de queixo erguido e olhar altivo fixo no horizonte distante, totalmente insuscetível ao engavetamento de 12 carros que acabou de provocar.
4 – Se você parar no sinal vermelho e começarem a buzinar atrás de você, instintivamente você confere e o semáforo ainda está vermelho, paira aquela atmosfera de mistério no ar e você se pergunta: “por que será que estão buzinando?” Fique tranquilo e sorria, você acabou de cair na pegadinha da direita livre, é assim mesmo, pode procurar ao redor que vai ter uma placa na esquina avisando. Acontece que você só vai saber quando já estiver parado na esquina esperando o sinal abrir. Agora resta decidir: entrar à direita ainda que seu trajeto seja seguir em frente, para aplacar o furioso buzinaço, que você acabará se sentindo culpado de ter provocado, quando na verdade a culpa é da sinalizacao deficiente? Ou incorporar de vez o amistoso espírito altruíta do trânsito local, aumentar o som e curtir o buzinaço enquanto espera o sinal abrir?
5 – Uma característica marcante das pavimentacões por aqui é o sem número de galerias destampadas, bem no meio da faixa de rolagem.
Se você for agraciado com o encontro fortuito de uma dessas pode descer, arrancar o pneu, aliás, a roda, a suspensão, provavelmente o eixo também, jogar tudo lá na galeria e chamar um reboque.
Se estiver de moto então, será mais legal ainda, pois sentirá na pele as propriedades esfoliantes que tem o asfalto, principalmente se for quente ao sol do meio dia, quando sua moto ficar no buraco e você for projetado em vôo livre, seguido de um pouso que vai parecer suave e macio, pois já vai ter acordado entre as nuvens de algodão, lá no céu.
Cá entre nós, isso tinha que gerar, no mínimo, um processo por homicídio culposo para o responsável pela manutenção dessas galerias.
A última, pra fechar;
6 – Você está à procura de um endereço, e quando vê, percebe que o local que procurava ficou pra trás. Sem problema, certo? Você, intuitivamente vai entrar na primeira à direita, e à direita de novo estará no sentido contrário, mais uma à direita e estará de volta à via original, procurando mais atentamente o local, concorda? É mais ou menos isso?
Ledo engano, o crescimento da cidade não seguiu e nem pretende seguir um planejamento visando ao trânsito. Se isso acontecer contigo, e tigo entrar à direita, provavelmente vai rodar 200km até achar a proxima à direita e, se for novato na cidade, como eu, nunca mais voltará a ver seu pretenso destino sem a ajuda do mapa. Eu já uso o mapa direto agora, até indo pra padaria na esquina.
Enfim…
De uma carreira invicta de 20 anos conduzindo carros e motos de diversos tipos e tamanhos, inclusive ambulâncias; em dois anos na cidade já fui abalrroado 4 vezes, sendo a primeira a mais memorável, colisão traseira por um ônibus sanfonado amarelo, de tradicional concessionária de transporte público local. Mas não posso nem me orgulhar dessa nova marca; isso não deve ser digno de recorde por aqui.
Nota importante, em todas as 4 ocorrências os responsáveis pelo prejuízo se prontificaram e saldaram os reparos, o que me leva a crer que o gentílico de Manaus é, via de regra, cordial e decente, mas infelizmente, acaba deixando um pouco a desejar quanto à consciência do seu papel na cultura de trânsito.
Desejo muito sucesso ao sr. dr. Augusto Rocha, engenheiro de transportes, nesse seu importantíssimo e flagrantemente necessário projeto de melhoramentos para a nossa mobilidade urbana, visto que o projeto da recém-implementada Avenida das Torres não contemplou a possibilidade de ciclofaixas nos trechos onde é mais intenso seu uso por ciclistas, gerando a necessidade de um arremedo bisonho tomando metade da faixa da direita.
Honorável doutor, desculpa usar sua coluna, na oportunidade em que divulga um projeto bonito, para uma queixa / denúncia sarcástica assim, mas me serviu de desabafo e até me diverti escrevendo.
Cidadã e cidadão manauara, adoro a cidade e a gente daqui, mas o certo é o certo e o errado é o errado.
Fé na missão aí doutor!