Os parlamentares brasileiros no Congresso Nacional têm se apoiado nas pesquisas de opinião que indicam a grande maioria da população apoiando a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Os números mostram mais de 85% dos entrevistados favoráveis à redução. Baseado nesses números, os desonestos têm afirmado que ao votar a favor de atribuir a responsabilidade criminal aos maiores de 16 anos estão fazendo a vontade da maioria da população brasileira.
A população desinformada ou reacionária tem todo o direito de pensar que a redução da maioridade penal é a solução ou pelo menos uma medida amenizadora da violência no país; os parlamentares, que são muito bem pagos com o sacrifício dessa mesma população — que trabalha para sustentar a mordomia deles —, e com dezenas de assessores para auxiliá-los, não podem tratar um tema tão sério com tamanha irresponsabilidade e com a desonestidade com que têm tratado a redução da idade para colocar jovens na cadeia.
A primeira desonestidade está na falácia de que o jovem menor de 18 anos que pratica crime no Brasil não é punido. Neste sentido, os próprios movimentos de defesa dos direitos da criança e do adolescente têm culpa no cartório, pelo alto grau de eufemismo com que tratam as questões relacionada à punição de adolescentes. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) prevê a prisão de maiores de 14 anos, sim, ao estabelecer a internação, no Artigo 121, que constitui medida privativa de liberdade.
Mas aos defensores dos direitos dos adolescentes é proibido utilizar a palavra prisão. No próprio ECA conseguiram trocar essa palavra por apreensão. O adolescente ou a criança que comete “ato infracional” (crime também é uma palavra proibida) não é preso em flagrante, é “apreendido”, como são os objetos, os documentos. O eufemismo consegue objetificar essas pessoas em nome do “politicamente correto”. E é em cima desses eufemismos que os desonestos agem.
Quem já visitou os locais onde os adolescentes são presos sabem que não é nenhum paraíso; ao contrário, os locais são inadequados para o propósito da prisão, que é recuperar o adolescente infrator. Neste sentido, o Estado, desde que o Estatuto da Criança e do Adolescente foi criado, em 1990, nunca cuidou de garantir estruturas adequadas para receber e reeducar os adolescentes que praticam crimes. Os políticos que agora querem aprovar a redução da maioridade penal, na sua maioria, são os que sempre estiveram ao lado dos governantes de plantão, e que nunca cuidaram de garantir os direitos inscritos na lei aprovada pelo próprio Congresso Nacional.
O problema não está na responsabilização penal do jovem; o problema consiste no destino desses adolescentes com a mudança que querem imprimir na Constituição Federal, qual seja, o sistema prisional brasileiro. Falido, esse sistema é hoje comandado por bandidos presos; não há garantia de integridade física nem aos adultos. Os políticos que querem a mudança da Constituição deveriam imaginar um filho de 16 anos colocado no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, o maior presídio do estado do Maranhão, que ganhou destaque na mídia nacional recentemente.
Os desonestos argumentam, também, que o adolescente de 16 anos sabe muito bem o que está fazendo ao cometer um crime. Ora, esse é um argumento que não resiste a uma análise sociológica. O crime não é fruto unicamente de uma ação individual e tampouco o criminoso, à exceção dos psicopatas, agem sempre de caso pensado. Há um conjunto de coisas na sociedade que contribuem para que uma pessoa, que é membro desse corpo social, decida praticar o crime.
O filósofo francês Émile Durkheim “define o crime como a ofensa à consciência coletiva, e dá-se com mais frequência quando as normas e condutas impostas nesse momento já não são legítimas e se impõe uma alteração para novas regras e leis. Assim, o aumento da criminalidade é sinal de que o sistema social não está funcionando corretamente” (A abordagem sociológica do crime, por Adriana Meireles).
Durkheim propõe um novo paradigma de análise dos fatos sociais a partir do corpo social e não dos indivíduos. Essa análise é importante para desconstruir o argumento de que “o acesso dos jovens à informação, hoje, é infinitamente superior àqueles de 1940”, como justifica o autor da PEC 171/1993. Argumenta-se que com acesso à informação, a liberdade sexual e a emancipação e independência dos filhos tornam o jovem de hoje senhor de suas vontades, inclusive para a pratica de crimes. Portanto, devem responder pelos seus atos, assim como os maiores de 18 anos. Esse argumento serve tanto para o jovem quanto para o adulto, e os números estão aí para provar que a ação criminosa independente de idade. Tanto é assim que os crimes praticados por menores de 18 anos representam apenas 1% do total de crimes registrados no Brasil.
Portanto, o que está em jogo não é o simples fato da responsabilidade penal. A legislação brasileira já é suficiente para punir, como está punindo, os adolescentes que praticam crimes. Ajustes nas leis são necessários, não para prevenir o crime, mas para melhorar a aplicabilidade das penas com o propósito de ressocializar esses jovens. Jogar na cadeia com adultos, na conjuntura do sistema prisional brasileiro, será uma irresponsabilidade cujo preço será pago mais tarde, certamente, com o aumento da criminalidade.
E não se trata de uma profecia de quem é contra a redução da maioridade penal, mas de uma análise dos precedentes e da sociologia que apontam as verdadeiras causas da criminalidade.
Valmir Lima é jornalista, graduado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (Ufam), com pesquisa sobre rádios comunitárias no Amazonas. Atuou como professor em cursos de Jornalismo na Ufam e em instituições de ensino superior em Manaus. Trabalhou como repórter nos jornais A Crítica e Diário do Amazonas e como editor de opinião e política no Diário do Amazonas. Fundador do site AMAZONAS ATUAL.
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