Por Renato Machado, da Folhapress
BRASÍLIA – O lobista Marconny Albernaz de Faria reconheceu em depoimento à CPI da Covid nesta quarta-feira (15) que mantém uma relação muito próxima e de amizade com Jair Renan, filho do presidente Jair Bolsonaro.
Marconny afirmou que chegou a comemorar o seu aniversário em um camarote de propriedade do filho “04” e que o ajudou na abertura de sua empresa. Em um depoimento tenso, Marconny irritou diversas vezes os senadores da CPI ao dar respostas confusas e atrapalhadas.
Também foi ameaçado de prisão ao afirmar não se recordar quem era o senador a quem se referiu em mensagem, na qual afirma que esse parlamentar ajudaria a “desatar o nó” da negociação de testes para detectar Covid-19.
Reportagem do jornal Folha de S.Paulo mostrou mensagens trocadas entre Marconny e Jair Renan em que o lobista oferece auxílio para a abertura da empresa do filho do presidente da República.
As informações constam de conversas no WhatsApp obtidas pela Folha de S.Paulo, após quebra judicial de sigilo do lobista a pedido do Ministério Público Federal no Pará, e de análise de documentos da Receita Federal. Os dados foram compartilhados com a CPI.
Marconny confirmou em seu depoimento a proximidade com Jair Renan, amizade que teve início assim que o filho do presidente chegou a Brasília. “Ele (Renan) queria criar uma empresa de influencer, e aí eu só apresentei ele para um colega tributarista que poderia auxiliar na abertura dessa empresa”.
O lobista também reconheceu que comemorou o seu aniversário em um camarote de Jair Renan, localizado no estádio Mané Garrincha, em Brasília. Em sua defesa, Marconny afirmou que a festa não infringiu regras sanitárias da pandemia.
“Mas não estou dizendo que o seu evento foi realizado de forma ilegal não. A ilegalidade não está na festa, a ilegalidade está no que se consegue nas festas, porque se elucida, com muita clareza, por que vale a pena contratar um Marconny”, reagiu o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
“Porque o Marconny diz que não conhece senador, o Marconny não é advogado, o Marconny não entende de contrato, o Marconny não entende da administração pública, mas o Marconny é um cara que vai para o churrasco com a advogada do presidente (Bolsonaro) e que faz sua festa de aniversário no camarote de propriedade ou de aluguel, não sei, do filho do presidente”, completou.
Em outro momento, o lobista usou o direito concedido por um habeas corpus para permanecer em silêncio e não responder sobre a atuação da ex-mulher de Bolsonaro Ana Cristina Valle na indicação de pessoas para o governo.
O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), ressaltou a proximidade do lobista com pessoas do núcleo duro de Bolsonaro, incluindo a advogada Karina Kufa, e disse na sequência que não seria necessária a resposta do depoente, uma vez que a comissão já detém mensagens que comprovam a atuação.
“A senhora Ana Cristina Bolsonaro, que acredito que tem que ser trazida à CPI, encaminha currículos de pessoas indicadas pelo senhor Marconny para ocupar cargos no governo federal”, afirmou Randolfe.
Marconny é apontado pelos membros da CPI como um lobista que atua para a Precisa Medicamentos, empresa que se tornou alvo por conta da negociação suspeita para a venda da vacina indiana Covaxin. O contrato de R$ 1,6 bilhão com o Ministério da Saúde acabou cancelado.
Mais especificamente, Marconny teria atuado na intermediação da venda de testes de detecção da Covid-19 para o Ministério da Saúde, o que ele nega. Disse que foi apenas sondado pela empresa para prestar assessoramento político, mas que não chegou a haver tratativas e nem mesmo foi pago pelo serviço. Disse que a relação durou aproximadamente 30 dias e se resumiu a conversas por aplicativos de mensagem.
“Como a concorrência já estava em andamento, não participei da análise do edital, habilitação ou apresentação de proposta da Precisa”, afirmou, acrescentando que a compra acabou cancelada pelo ministério. “Não fui contactado para nenhum outro serviço relacionado à Precisa ou ao Ministério da Saúde e muito menos à vacina”, afirmou.
O relator Renan Calheiros (MDB-AL) então rebateu e disse que Marconny fazia parte de um grupo que atuava para fraudar as licitações no Ministério da Saúde. Acrescentou que ele, o sócio-diretor da Precisa, Francisco Maximiano, o diretor da empresa Danilo Trento e o ex-diretor de logística do ministério Roberto Ferreira Dias atuavam de maneira conjunta, para prejudicar concorrentes no processo.
“Essa arquitetura (para fraudar licitação) é da sua cabeça, da cabeça do Maximiano ou da cabeça do Roberto Dias?”, questionou Renan. “Isso foi enviado pela parte técnica da Precisa, senhor senador”, respondeu Marconny.
Em um dos momentos de maior tensão do depoimento, Marconny foi questionado sobre quem seria um parlamentar a quem ele se referiu em uma conversa por WhatsApp obtida pela CPI. O lobista trata da venda de testes de Covid e teria afirmado que haveria um senador que “desataria o nó” da contratação.
Marconny foi questionado diversas vezes sobre quem seria o parlamentar, mas afirmou não se lembrar. A resposta irritou os senadores, que chegaram a aprovar um requerimento para que a Polícia Legislativa levantasse todas as idas do lobista ao Senado.
O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que poderia consultar o STF (Supremo Tribunal Federal) para ver quais procedimentos poderiam ser adotados contra o depoente. “O senhor está faltando com a verdade. O senhor não se comprometer numa resposta é uma coisa. Entre o senhor omitir e faltar com a verdade, está muito longe (uma coisa da outra)”.
Jean Paul Prates (PT-RN) chegou a mencionar que Marconny poderia ser preso, afirmando que poderia “dormir” no Senado.
Marconny também teve dificuldades para descrever a sua atuação. Disse que não era um lobista e que não havia contradição “na figura de agente privado promover tratativas privadas, análise de cenário político e eventualmente interlocuções institucionais com agentes públicos desde que não esteja configurado nenhum ato de corrupção ativa”.
“Ao contrário do que dizem por aí, se eu fosse um lobista, eu seria um péssimo lobista. Porque eu jamais fui capaz de transformar minhas relações sociais em contratos e resultados econômicos milionários, conforme falsamente divulgado pela imprensa”, afirmou.
Marconny deveria ter prestado depoimento no início deste mês, mas alegou motivos de saúde e não compareceu. A cúpula da CPI chegou a determinar a condução sob vara, mas o depoente não foi encontrado. Para essa oitiva, a comissão detinha uma autorização judicial para proceder com condução coercitiva, caso ele não comparecesse novamente.