OPINIÃO
MANAUS – A lei eleitoral nunca foi tão desrespeitada como nas eleições municipais deste ano, desde a redemocratização do Brasil, há cinco décadas. O ano de 2024 também foi marcado pela violência nas disputas por cargos de prefeito e vereador em todo o Brasil.
Até a década encerrada em 2010, houve um aprimoramento das leis que regem o processo eleitoral brasileiro, com o objetivo de garantir igualdade de condições dos postulantes aos cargos eletivos. Nas últimas duas décadas, o que se vê é a legislação ajustada para atender a interesses individuais ou partidários e ignorada por boa parte dos candidatos e partidos.
O desrespeito começa bem antes do chamado período eleitoral, quando os candidatos com maior poder aquisitivo começam a botar o bloco na rua ou nas redes sociais. A Lei Eleitoral passou a permitir a propaganda antecipada, desde que não haja pedido explicito de voto. Com isso, quem pode pagar por um trabalho nas redes, leva vantagem sobre os menos afortunados.
O uso das estruturas dos poderes também é outra forma de burlar a legislação e permitir que quem está no poder leve vantagem sobre os concorrentes nas eleições. Vereadores, deputados, prefeitos, governadores têm à disposição, durante os quatro anos de mandato, uma verdadeira “máquina de compra de votos”. São favores realizados em comunidades para “vender” o candidato no futuro. Um exemplo são as emendas parlamentares impositivas.
Quando chegam as eleições, esses políticos são agraciados com mais favores pagos com dinheiro público para colocá-los ainda mais próximo do eleitorado. Nesse momento, eles se tornam aliados dos candidatos majoritários e são presenteados com uma estrutura de campanha que dificilmente os que estão de fora conseguem bancar.
Durante a campanha nas ruas, não há fiscalização. O Ministério Público Eleitoral, que teve atuação importante no passado, desapareceu quase completamente do cenário das eleições. Se antes havia fiscalização sobre pessoas contratadas como cabos eleitorais e até se os candidatos disponibilizavam protetor solar a essas pessoas, agora não há qualquer ação fiscalizadora.
As campanhas de prefeito e vereador têm limites de gastos, mas não há quem fiscalize se as despesas visivelmente exorbitantes de alguns candidatos, pelo volume nas ruas, ficam dentro desse limite.
A compra de votos, que o legislador achava que era feito quando o candidato dava um boton, um boné ou uma camiseta ao eleitor, agora têm outros formatos mais eficientes e eficazes: com muito dinheiro, as campanhas “contratam” milhares de pessoas que sequer precisam trabalhar. O importante é convencer familiares a votar em quem pagou. Esses “contratos” são feitos verbalmente, burlando a legislação.
Na propaganda eleitoral no rádio e na TV, mais irregularidades cometidas nas barbas de quem deveria fiscalizar e impedir os excessos. A Lei Eleitoral proíbe que o candidato use o tempo no rádio e TV para fazer propaganda negativa dos adversários, mas o que mais se viu nestas eleições foram campanhas negativas, algumas delas com conteúdo falso, com o objetivo de tisnar a reputação do concorrente.
E se fazia isso sem a devida identificação de autoria. Para saber quem era o autor da propaganda, o eleitor precisava usar lupa para decifrar as letrinhas quase invisíveis no alto da tela da TV. No rádio a situação é ainda pior: um áudio em alta rotação, incompreensível, é aceito como válido pelo Tribunal Regional Eleitoral. Ridículo!
Nas ruas, é permitida a propaganda eleitoral com carro de som, desde que respeitado o limite de volume, medido em decibéis. Mas neste ano, candidatos colocaram nas ruas os chamados “paredões”, com barulho ensurdecedor. E não havia quem parasse e apreendesse esses carros, como determina a legislação.
Neste domingo, as ruas amanheceram emporcalhadas com material de propaganda nas portas dos locais de votação. Essa atitude também é passível de punição aos candidatos, mas a lição das últimas eleições é que a impunidade impera. Ninguém é punido. E se não há punição, todos se acham no direito de desrespeitar a lei.