BRASÍLIA – Uma prática muito comum em grandes empresas, principalmente nos grandes varejistas, são as chamadas estratégias motivacionais para influenciar no trabalho. Encontros em que há gritos de guerra, uso de fantasias e coreografias são os mais comuns. A Justiça, porém, começa a torcer o nariz para essas práticas. Algumas decisões consideram que elas causam constrangimentos aos funcionários e impõem o pagamento de indenizações. O Walmart, por exemplo, nos últimos anos tem acumulado uma série de condenações que vão de R$ 3 mil a R$ 22,3 milhões.
Advogados trabalhistas explicam como a Justiça do Trabalho tem procedido e o que as empresas devem fazer para evitar tais situações.
O advogado Carlos Eduardo Dantas Costa, especialista em Direito Trabalhista/Sindical e sócio da Peixoto & Cury Advogados, reconhece que a Justiça do Trabalho tem sido cada vez mais rigorosa nesse aspecto. “Determinadas situações que, no passado, eram bem aceitas ou, então, não questionadas, atualmente podem ser consideradas como ofensivas à intimidade dos trabalhadores – ocasionando, por vezes, condenação ao pagamento de indenizações por danos morais – e, por isso, devem ser analisadas antes de ser implementadas. As empresas devem se abster de expor os trabalhadores a situações que fujam da rotina profissional e exponham questões subjetivas como, por exemplo, religião, crenças políticas, hábitos sociais e outras de caráter pessoal”, recomenda.
Para o advogado especializado em relações do trabalho e sócio do PLKC Advogados, José Guilherme Mauger, as empresas devem ter cautela nas práticas motivacionais levando em conta que há limites ao poder diretivo do empregador. “A boa intenção do empregador e a participação voluntária dos empregados muitas vezes ficam em segundo plano, prevalecendo o sentimento de dano moral levado pelo reclamante ao juízo trabalhista”, diz ele. E alerta: “Tais dinâmicas não devem ser obrigatórias, de modo que os empregados que não aderirem não devem temer qualquer repercussão negativa na relação empregatícia”.
Algumas empresas usam exercícios motivacionais bem diferentes, conta o advogado Francisco Antonio Fragata Jr, sócio do Fragata e Antunes Advogados. Para evitar processos judiciais, é preciso primeiro que quem aplique os exercícios seja treinado para não constranger os demais. Em segundo lugar, é preciso criar – e perceber se realmente está ocorrendo – um clima de descontração. “Todos devem estar se divertindo e essa percepção tem de ser generalizada. Claro que pode ter alguém fingindo, mas um bom profissional no comando percebe isso”, afirma. Para Fragata Jr, um funcionário não pode ser punido por ser dispensado de tal atividade, bem como pode pedir voluntariamente a dispensa.
Para a advogada Márcia Dinamarco, sócia do Inocentti Advogados Associados, é fundamental um profissional especializado nessas dinâmicas. “Cada pessoa reage de forma diversa diante dessas atividades motivacionais. O programa deve ser fiscalizado por profissional especializado, que acompanhe como ele está sendo desenvolvido e como está a receptividade das atividades propostas com esse fim, evitando-se, com isso, que alguns possam se sentir violentados e humilhados diante da exposição em grupo ao realizar uma atividade”, ressalva. Para a especialista em Direito do Trabalho, essas atividades devem ser sugeridas e depois implementadas pelo empregador, “por meio de profissionais habilitados, como psicólogos, assistentes sociais e outros”.
Entendendo o caso
O Walmart foi condenado, em 22 de setembro, a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 3 mil a uma operadora de supermercado. A Justiça entendeu que ela foi obrigada a participar coletivamente de canto de grito de guerra (“cheers”), a cantar, a bater palmas e a rebolar. A política da empresa foi considerada desrespeitosa à dignidade pelo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR). Não foi a primeira vez que o supermercado foi condenado numa ação como esta.
No processo, a funcionária afirmou à Justiça que sofreu constrangimento ao participar do treinamento. Ela disse que a participação nos rituais era obrigatória e os trabalhadores que se recusassem a participar do ritual eram constrangidos a realizá-lo sozinhos na frente dos demais empregados e clientes, o que caracterizaria assédio moral. O Walmart alegou que o “cheers” era um momento de interação e descontração entre os empregados, sem a intenção de humilhá-los. O argumento do hipermercado não foi aceito.
Processo: RR-701-05.2013.5.09.0656
(Estadão Conteúdo/ATUAL)