Do ATUAL
MANAUS – A juíza Marília Gurgel de Paiva e Sales, da Justiça Federal do Amazonas, deu 72 horas para que a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) regulamente a Medida Provisória 1.232/2024, que altera uma série de regras no mercado de energia do estado e que, na prática, beneficia a Âmbar Energia, empresa do grupo J&F –da família dos irmãos Joesley e Wesley Batista. Marília Sales determinou que a Aneel seja comunicada da ordem com urgência.
A Amazonas Energia foi à Justiça para obrigar a Aneel a regulamentar a medida provisória e implementar “medidas que garantem a continuidade da prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica” no estado, incluindo repasses da CCC (Conta de Consumo de Combustíveis) que, segundo ela, totalizam R$ 447 milhões entre abril e setembro deste ano.
A CCC é um encargo do setor elétrico brasileiro, utilizado para subsidiar os custos anuais de geração em áreas que ainda não estão integradas ao SIN (Sistema Interligado Nacional). Todos os meses a cota da CCC é paga pelos consumidores de energia elétrica, conforme homologação da Aneel.
Os repasses da CCC estão previstos na medida provisória, que a Amazonas Energia busca regulamentar através da ordem judicial. A questão, no entanto, sobre resistência de consumidores, que alegam que poderão ser penalizados.
Marília deferiu parcialmente o pedido da concessionária. A decisão dela obriga apenas a regulamentação da medida. Ela não atendeu, por exemplo, o pedido da empresa para “liberação integral dos repasses previstos que já deveriam ter sido realizados”.
A Amazonas Energia tem pressa porque a Medida Provisória que destina recursos da União para socorrer a concessionária perde a validade no dia 12 de outubro, e ainda está sem relator no Congresso Nacional.
Ao tomar a decisão, a juíza considerou a alegação de “inércia” da Aneel, sustentada pela Amazonas Energia, e disse que “a narrativa dos fatos, alinhada à fundamentação jurídica, demonstra o risco iminente de interrupção de um serviço público essencial, caso não sejam adotadas medidas imediatas”.
“É certo que a Requerente depende dos repasses de verba federal para o seu regular funcionamento, na medida em que os custos de produção são mantidos, em sua maior parte, pelo respectivo fundo setorial, assim como o fomento da empresa, atualmente, depende da aplicação das medidas previstas na MP n. 1.232/2004”, afirmou Marília Sales.
A juíza fixou multa de R$ 1 milhão em caso de descumprimento da decisão. Ela também estabeleceu multa de R$ 10 mil por dia, penalidade que alcança o patrimônio pessoal do presidente da Aneel, Sandoval de Araújo Feitosa Neto, e dos conselheiros da agência.
Consumidores penalizados
A Asdecen (Associação de Defesa dos Consumidores de Energia Elétrica da Região Norte) se manifestou na ação ajuizada pela Amazonas Energia. A entidade alegou que o caso deve ser analisado com cautela, e pediu, um dia antes da decisão da juíza Marília Sales, que a Justiça Federal negasse o pedido de liminar.
“A análise do complexo tema não pode se submeter a pressões para decisões rápidas, sem estudos detalhados e ampla fundamentação, comprometendo a segurança do setor elétrico e penalizando os consumidores”, diz a Asdecen na inicial ajuizada no dia 22 deste mês.
Segundo a Asdecen, a A Amazonas Energia quer garantir o recebimento dos R$ 447 milhões mesmo que a Aneel não regulamente a Medida Provisória até o 12 de outubro.
A MP 1.232/2024 abre a possibilidade de intervenção federal para trocar a empresa de distribuição de energia elétrica do estado do Amazonas, e uma das interessadas é a Âmbar Energia, do grupo J&F.
De acordo com o governo federal, a empresa não está conseguindo gerenciar o fornecimento de energia elétrica aos municípios de maneira adequada e está com alto endividamento, em torno de R$ 9 bilhões.
A MP autoriza a Aneel a declarar intervenção administrativa na Amazonas Energia para “assegurar a continuidade, a prestação adequada do serviço e a efetividade do processo de transferência do controle societário”. Para tanto, a Aneel deverá apresentar um plano de transferência do controle societário, se considerar que realmente houve perda das condições econômicas, técnicas ou operacionais da concessionária.
A privatização da energia elétrica no estado do Amazonas ocorreu no final de 2018. O consórcio Oliveira Energia foi o vencedor.
A concessão tem vigência até abril de 2049. Em 2022, houve tentativa de troca da concessão, que já estava em crise, mas a empresa que se candidatou para assumir não conseguiu provar ter capacidade para a empreitada.
Segunda acusação
A Asdecen também acusa o que chamou de fraude processual supostamente cometida pela Amazonas Energia, alegando que ela protocolou múltiplas ações com conteúdo similar em diferentes varas, com o intuito de escolher o juízo mais favorável.
“Parece-nos haver tentativa de manipular o processo. A tentativa de escolher o juiz que conduzirá a demanda, por meio de desistências e reprotocolos sucessivos, aponta violação ao princípio do juiz natural, previsto no art. 5º, LIII, da Constituição Federal, subvertendo a ordem jurídica e comprometendo a integridade do sistema de justiça”, diz.
Por isso, a Asdecen pede que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e ao Ministério Público apurem os indícios de irregularidade e que a Justiça condene a Amazonas Energia ao pagamento de multa de 10% do valor da causa.
Depois da manifestação da Aneel, o juiz Ricardo Augusto de Sales, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, mandou redistribuir a ação da Amazonas Energia e solicitou a apuração de falhas no sistema que encaminha os processos aos juízes.
“Diante dos argumentos e documentos apresentados, promova-se nova e livre distribuição dos autos, garantindo-se a observância do princípio constitucional do juiz natural”, escreveu Sales.
Segundo a reportagem do portal Poder360, desde que era um braço da Eletrobras, a Amazonas Energia já tinha uma operação deficitária.
Quando a empresa foi arrematada pelo grupo Oliveira Energia, em 2018, foi acordado que a companhia receberia cerca de R$ 2 bilhões do governo federal ao longo de 4 anos para manter o serviço enquanto implementava uma gestão que trouxesse eficiência, o que não ocorreu.
A ajuda do governo acabou antes do grupo tornar a empresa capaz de andar com as próprias pernas e o resultado foi que o grupo agora quer vender a Amazonas Energia. Ciente do problema, o governo federal editou a MP que estende o benefício até uma troca de controle a depender de uma avaliação da Aneel. Quem comprar a distribuidora tem direito ao benefício por 12 anos.