Por Joelmir Tavares, da Folhapress
SÃO PAULO – O juiz responsável pelo acompanhamento da prisão de Adélio Bispo de Oliveira autorizou nesta segunda-feira, 2, o autor da facada no então presidenciável Jair Bolsonaro a ser transferido da penitenciária federal de Campo Grande (MS), onde está preso desde setembro de 2018.
O magistrado Dalton Igor Kita Conrado, da 5ª Vara Federal Criminal de Campo Grande, considerou que o presídio não é local adequado para o cumprimento da medida de segurança aplicada a Adélio, que foi declarado inimputável pela Justiça.
Pela decisão, o esfaqueador terá que ser levado para Minas Gerais. O destino exato do autor do crime será fixado pela 3ª Vara Federal de Juiz de Fora (MG), cidade onde ocorreu o ataque.
Representantes do MPF (Ministério Público Federal) e da DPU (Defensoria Pública da União) em Mato Grosso do Sul que monitoram a situação do interno recomendaram a transferência.
A família dele mora em Montes Claros, cidade na região norte de Minas, e nunca o visitou em Campo Grande, por não ter dinheiro para a viagem. Os parentes contam que já observavam sinais de problemas mentais nele, mas não conseguiram convencê-lo a buscar ajuda.
Adélio recebeu da Justiça, em junho de 2019, a chamada absolvição imprópria -foi reconhecido como autor do crime, mas não pôde ser responsabilizado penalmente, já que foi considerado inimputável por ter uma doença mental, o transtorno delirante persistente.
Ele cumpre uma medida de segurança por tempo indeterminado e deveria ser submetido a tratamento psiquiátrico. Autoridades que cuidam do caso, no entanto, afirmam que a penitenciária federal não dispõe de estrutura para essa finalidade.
“Adélio Bispo não é imputável, não devendo, portanto, permanecer em estabelecimento penal destinado apenas ao encarceramento de indivíduos e que não possui espaço destinado ao tratamento adequado à patologia reconhecida em sentença”, escreveu Conrado na decisão.
O juiz decidiu que o autor do ataque “deverá ser internado em local apropriado ao cumprimento da medida de segurança, com estrutura, equipe técnica e medicamentos necessários ao tratamento da sua enfermidade mental”.
A direção do presídio de Campo Grande confirmou, no processo, que o local não é indicado para ações terapêuticas prolongadas, como o caso de Adélio demanda. A unidade oferece apenas atendimento básico.
No despacho desta segunda, o juiz Dalton Conrado afirmou que a permanência do interno na capital sul-mato-grossense é inviável e pode agravar seu problema de saúde. O MPF chegou a apontar risco de suicídio, “por não receber o acompanhamento especializado que o seu caso reclama”.
O magistrado deu um prazo de 30 dias para que o prisioneiro saia da penitenciária e retorne ao juízo de origem, “para recolhimento e tratamento em local adequado à medida de segurança”.
A DPU já foi informada que um hospital psiquiátrico em Barbacena (MG) estaria apto a abrigar o preso, mas uma confirmação ainda depende dos trâmites judiciais.
O juiz Bruno Savino, da seção de Juiz de Fora, até agora vem se manifestando favorável à permanência de Adélio no sistema federal, por razões de segurança. Para ele, haveria risco à integridade física do interno em outro tipo de estabelecimento prisional, além de sua “elevada periculosidade”.
O esfaqueador não preenche os requisitos necessários para ficar trancafiado nos estabelecimentos penais federais de segurança máxima, como ter liderado organização criminosa ou praticado delitos violentos em série.
Segundo a Defensoria Pública da União e pessoas que trabalham no complexo sul-mato-grossense, ele é o único interno do sistema penitenciário federal com esse perfil (o de uma pessoa que cumpre medida de segurança e precisa se tratar).
Como mostrou a Folha de S.Paulo em janeiro, Adélio passou a apresentar um quadro de saúde estável nos últimos meses, mesmo sem ser submetido a um tratamento específico para o transtorno.
O esfaqueador não aderiu aos remédios disponibilizados pelos médicos da instituição (geralmente são oferecidos ansiolíticos), mas começou a exibir menos sintomas de confusão mental.
Se antes eram frequentes os delírios, com afirmações de que a penitenciária fora construída com arquitetura maçônica e parecia um lugar de maldições repleto de satanismo, agora as mensagens que externa são sobre a vontade de ficar perto da família, de ser libertado e de voltar a trabalhar.
Adélio tentou matar Bolsonaro durante um ato de campanha em setembro de 2018. O agora presidente da República já precisou passar por quatro cirurgias em decorrência do atentado. Ele, seus filhos e apoiadores frequentemente lembram o episódio e cobram esclarecimentos.
As investigações da Polícia Federal sobre o caso apontam até o momento que o homem agiu sozinho. Desde o ataque, ele repete a versão de que cometeu o atentado a mando de Deus, para livrar o Brasil do que seria um perigo representado pelo então candidato.
Em novembro do ano passado, o preso recusou uma oferta de delação premiada feita pelo delegado Rodrigo Morais, da superintendência da PF em Belo Horizonte, que é o responsável pela apuração. Ele disse que não tinha ninguém para citar, reforçando a tese de “lobo solitário”.
Adélio é representado pela DPU desde novembro, depois que o advogado que assumiu sua defesa após o crime decidiu deixar de atuar no caso. Zanone Manuel de Oliveira Júnior, contudo, se manteve como curador (representante legal) do cliente.
Zanone sempre se posicionou favoravelmente à permanência do autor do atentado em Campo Grande, sob a justificativa de que ele ficaria desprotegido fora de lá.
As supostas conexões do escritório do advogado com mandantes ou financiadores do atentado a Bolsonaro são a parte que falta para a PF declarar encerradas as apurações sobre o episódio. Um inquérito sobre esse ponto continua aberto.
Para avançar, a investigação da PF sobre supostos idealizadores ou comparsas depende principalmente da perícia em celulares e documentos apreendidos no escritório de Zanone. O exame dos materiais foi brecado pela Justiça, sob o argumento de que violaria o sigilo profissional.
No mês passado, o TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), que analisava o assunto, decidiu encaminhar o processo para o STF (Supremo Tribunal Federal), por entender que o caso é de competência da corte superior.