
Por Felipe Campinas, do ATUAL
MANAUS – Indígenas da etnia Mura de quatro aldeias de Autazes (município a 112 quilômetros de Manaus) divulgaram, nos últimos dias, cartas nas quais afirmam que não concordam com a decisão de suas lideranças de apoiar a exploração de potássio em suas terras. Eles defendem seguir o Protocolo de Consulta e Consentimento do Povo Mura, aprovado em 2019.
Desde 2015, a empresa Potássio do Brasil tenta viabilizar a exploração do minério na jazida de Autazes, mas o plano esbarra em interesses indígenas. Segundo a Justiça Federal, a licença ambiental do empreendimento só pode ser concedida pelo Ibama após consulta aos povos indígenas e com autorização do Congresso Nacional.
De acordo com a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), o processo de licenciamento ambiental e a consulta aos povos indígenas foram suspensos até a finalização dos estudos multidisciplinares necessários à identificação e delimitação da Terra Indígena Lago do Soares e Urucurituba, reivindicada pelo Povo Indígena Mura.
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Na última segunda-feira (25), o presidente do CIM (Conselho Indígena Mura), José Cláudio, entregou ao governador do Amazonas, Wilson Lima, uma ata e relatório de uma reunião ocorrida entre lideranças indígenas, aceitando a continuidade do projeto Potássio Autazes. O encontro teve a participação de representantes da Potássio do Brasil, deputados e secretários estaduais.
Após tomarem conhecimento da reunião, indígenas das aldeias Moyray, Murutinga Tracajá, Igarapé Açu e Ponta das Pedras divulgaram quatro cartas nas quais afirmam que não concordam com o posicionamento favorável à continuidade do projeto Potássio Autazes aprovado em assembleia. Eles afirmam que a decisão foi tomada de forma muito rápida.
“O nosso Protocolo diz: ‘os não-índios não podem reunir apenas alguns Mura e pedir para eles tomarem uma decisão pg. 24’ (…) que também, da página 49 a 78, que define os critérios de consulta e como deve ocorrer o processo. Tudo isso foi desrespeitado, desonrado, pela comissão que estava conduzindo a reunião”, diz a carta da aldeia Moyray.
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Assembleia
A assembleia dos indígenas ocorreu nos dias 21 e 22 de setembro na aldeia Terra Preta da Josefa, mas não houve esclarecimento sobre a pauta discutida. “Muitas lideranças e parte de comissão das aldeias foram ludibriadas e assinaram a ata da reunião como presença e não para aprovação ao projeto ou a outro caso que venha afetar o povo Mura”, diz a carta da aldeia Moyray.
Ainda conforme os indígenas, na ocasião, lideranças propuseram e aprovaram a retirada do povo Mura do Careiro da Várzea do protocolo de consulta. Foi informado que a medida havia sido solicitada por indígenas do outro município, mas não houve apresentação de qualquer documento que comprovasse a informação. Os indígenas são contra a medida.
“Não concordamos com o desmembramento do Povo Mura de Careiro da Várzea do Protocolo de Consulta e Consentimento (…). Entendemos que é uma desumanidade, traição, retirar os parentes do Protocolo, onde foram vitais no momento que estávamos mais vulneráveis nesse processo do projeto”, diz trecho da carta da aldeia Igarapé Açu.
As críticas também recaíram sobre as próprias lideranças. “Houve um grande desrespeito por meio da nossa liderança Martinho Gomes da Silva, que tomou decisão sem nos consultar e que em nenhum momento fez reunião para repassar algo relacionado ao assunto que seria tratado na assembleia”, diz trecho da carta da aldeia Murutinga Tracajá.
Indígenas da aldeia Ponta das Pedras apontaram diversas falhas no relatório, incluindo a ausência de registro do posicionamento deles contra as decisões tomadas na assembleia. “Não fomos a favor da atualização do Protocolo, fomos contra a mineração em terras indígenas, e contra a atitude de nos negociar ao governo do estado”, diz trecho da carta.
Matriz econômica
A exploração do minério, que havia sido licenciada pelo Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas), órgão estadual, foi barrada pela Justiça Federal do Amazonas a pedido do MPF (Ministério Público Federal). O MPF e a Justiça entendem que cabe ao Ibama emitir a licença, e somente após consulta aos povos indígenas e com autorização do Congresso Nacional.
Em agosto, a juíza Jaiza Fraxe, da Justiça Federal do Amazonas, reafirmou que o Ipaam não é competente para licenciar a exploração de potássio em Autazes e declarou que quaisquer atos administrativos no sentido contrário “são nulos e não possuem qualquer valor jurídico”.
A decisão foi proferida após o Ipaam informar que aguardava a conclusão de estudo conduzido pela Funai para a emissão de licença que vai possibilitar a exploração de potássio pela empresa Potássio do Brasil.
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Fraxe comunicou que o processo ficou paralisado durante a pandemia de Covid-19, mas que agora foi retomado e está na fase da demarcação do território. Em agosto, a Funai criou um grupo técnico para delimitar a terra Indígena Mura conhecida como Aldeia Soares e Urucurituba.
Na reunião de segunda-feira, o governador disse que o potássio pode ser uma nova matriz econômica para o estado. “A gente está falando aqui de uma outra matriz econômica no estado do Amazonas. Nós temos a Zona Franca, nós não abrimos mão dela, temos a questão do gás natural, que a gente já conseguiu avançar muito, e o próximo passo é agora a questão do potássio”, disse Lima.
Leia a nota da Funai:
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), por meio da Portaria n.º 741/PRES, de 01 de agosto de 2023, constituiu o Grupo Técnico (GT) com o objetivo de realizar os estudos multidisciplinares necessários à identificação e delimitação da Terra Indígena Lago do Soares e Urucurituba, reivindicada pelo Povo Indígena Mura, localizada no Município de Autazes (AM).
O próximo passo do GT será a elaboração de um Plano de Estudos, instrumento que tem por objetivo reunir informações sobre o histórico do procedimento, a indicação das ações que serão realizadas, bem como de metodologias e prazos. A partir da consolidação do Plano de Estudos é que se dará a pactuação entre o GT e a Funai, por meio da Coordenação-Geral de Identificação e Delimitação (CGID), para dar curso ao procedimento demarcatório.
Considerando que a referida terra indígena em estudo encontra-se sobreposta às áreas de jazidas a serem exploradas no Projeto Potássio Autazes, a Funai acatou o pedido do Ministério Público Federal (MPF) para paralisação do processo de licenciamento ambiental e respectiva consulta aos povos indígenas nos moldes da Convenção 169 da OIT até a finalização dos estudos supracitados.
Leia as cartas: