
Por Milton Almeida, do ATUAL
MANAUS – O Incra (Instituto Brasileiro de Colonização e Reforma Agrária) confirmou ao ATUAL, nesta sexta-feira (21), que concluiu o processo de incorporação de uma área de 28,4 mil hectares no Sul do Amazonas ao patrimônio da União ocupada por 200 famílias.
A faixa de terra pertence ao município de Lábrea (a 865 quilômetros de Manaus), na divisa com o estado do Acre, e está ocupada desde 2015 quando se chamava Seringal Novo Natal e foi rebatizada de Comunidade Marielle Franco (em homenagem à vereadora do Rio de Janeiro assassinada em 2018). O Incra vai identificar o perfil dos moradores que terão direito aos lotes de terras e realizar georreferenciamento (localização) do perímetro do terreno.
“Essa área foi demandada pelas organizações sociais lá do município de Boca do Acre, no ano de 2023, quando assumimos a gestão do Incra Amazonas. Era um grupo de famílias que tinha ocupado uma área e que estava vivendo e produzindo por lá”, disse o superintendente regional do Incra Denis da Silva.
Segundo Denis da Silva, a legalização da área deverá acabar com conflitos armados que envolvem pecuaristas. Conforme o superintendente do Incra, parte dos agricultores ocupavam uma fazenda reivindicada por um fazendeiro.
“As famílias já relatavam que aquela terra não era uma terra titulada. Nós fizemos um levantamento técnico e vimos que a área era devoluta [uma terra pública que não tem destinação pelo governo e que não pertence a nenhum particular], mesmo que lá exista uma fazenda chamada Fazenda Palotina”, disse Denis da Silva.
Ainda segundo o superintendente do Incra, a definição da área para a destinação aos assentados envolveu uma série de pesquisas e consultas em cartórios dos municípios de Lábrea, Boca do Acre, na Sect (Secretaria de Estado Cidades e Territórios) e TJAM (Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas).
“Fomos ao cartório de Lábrea com o apoio do TJAM e verificamos que essa terra não tinha documento que determinasse o domínio da terra por parte da família do fazendeiro Sidnei Zamora. Inclusive, até a chefa do cartório de Lábrea foi afastada porque os documentos da matrícula da terra no cartório estavam incompletos”, diz.
“Então, constatamos que não tinha legitimidade. Pedimos o cancelamento da matrícula, o cancelamento de uma declaração de imposto que o Incra tinha expedido no passado e passamos a fazer o trabalho para arrecadar a área”, acrescenta o superintendente.
Casos de grilagem
Para Luiz Antonio Nascimento, sociólogo que estuda comunidades ribeirinhas em áreas de conflitos fundiários no Amazonas, os atritos que envolvem fazendeiros e famílias assentadas é “resultado de grilagem de terras”, em Lábrea.
“A grilagem é um tipo de crime que precisa de agentes públicos para a sua efetivação, como demonstra a existência de uma matrícula cartorária falsa, matrícula que decorreu de ação criminosa que resultou no afastamento da chefia do Cartório de Lábrea. Sobre a grilagem, é urgente que seja instaurado processo judicial que apure responsabilidades e puna os responsáveis”, diz o sociólogo.
Com a incorporação da terra, o governo federal pode destinar a área para assentamento de famílias de agricultores familiares que atendam exigências legais, diz Luiz Antonio Nascimento.
“Na prática, o ato da arrecadação da terra é uma espécie de emissão de certidão de nascimento. As famílias que estão acampadas naquela área poderão ser assentadas, desde de que tenham perfil conforme exige as normas do Incra. A partir de agora, aquelas famílias estão legalmente protegidas, considerando que ficou provado que os supostos proprietários são grileiros e não poderão buscar a reintegração de posse”, diz Nascimento.
Entre as atividades realizadas pelas famílias da área está a colheita da castanha. A faixa de terra é considerada como fronteira de expansão agrícola. “Isso não garante a integridade das famílias, considerando o poder político dos grileiros e disposição de uso da violência por meio de pistolagem”, diz o sociólogo.