Por Felipe Campinas, do ATUAL
MANAUS – Dezessete famílias da comunidade quilombola do Tambor, em Novo Airão (município a 115 quilômetros de Manaus), foram incluídas no PNRA (Plano Nacional de Reforma Agrária) e serão beneficiadas com o programa “Terra da Gente”, do governo federal, que organiza todas as formas de destinação de terras pra reforma agrária no país.
A medida foi publicada pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) no Diário Oficial da União na edição desta terça-feira (3) e representa um avanço na luta dos quilombolas pela regularização fundiária do local que foi o refúgio de pessoas escravizadas vindas de estados do nordeste brasileiro no século XX.
“O decreto é bastante importante. Ele é um ato que diz: ‘eu reconheço que naquele lugar, naquele espaço, naquela configuração, existe um quilombo, o quilombo do Tambor’. E ao se reconhecer que há o quilombo, que já foi feito um processo de identificação e reconhecimento, aquelas comunidades quilombolas têm direito a acessar as políticas públicas”, afirma o professor e sociólogo da Ufam (Universidade Federal do Amazonas) Luiz Antônio Nascimento.
A luta pelo reconhecimento do quilombo ocorre desde 1980, quando o governo federal criou o Parque Nacional do Jaú que se sobrepôs à área da comunidade do Tambor, localizada na margem esquerda do Rio Jaú.
Com a medida, essas famílias foram impedidas de realizar a exploração de seus recursos naturais de modo tradicional. Eles foram proibidos de caçar, pescar e vender os produtos da floresta. Também ficaram desassistidas, pois a legislação proíbe construções, por exemplo, de postos de saúde nessas áreas.
“Ao criar o Parque Nacional do Jaú, o Ministério do Meio Ambiente, através do Ibama, colocou o parque em cima do [quilombo do] Tambor, impedindo que aquela comunidade pudesse ter acesso a políticas públicas, pois a legislação ambiental proíbe qualquer presença humana permanente em parques”, afirmou Nascimento.
“O que acontecia? Todas as vezes que os moradores do Tambor reivindicavam posto de saúde, Bolsa Família, programa de merenda escolar, Pronaf [Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar], todos os programas federais e estaduais, os governos estadual, municipal e federal não podiam atender”, completou.
O quilombo do Tambor foi reconhecido em 2006 pela Fundação Cultural Palmares como comunidade com ancestralidade na população que resistiu ao sistema escravocrata existente no Brasil.
A comunidade, no entanto, não teve as suas terras regularizadas em razão de contestação pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), que defende que o parque é uma unidade de proteção integral da fauna e da floresta, que exclui ocupação de humanos.
As famílias pedem há muitos anos ao governo federal para que redesenhe o perímetro do Parque Nacional do Jaú e deixe de fora a comunidade. A medida seria necessária para garantir que os quilombolas pudessem ter acesso a postos de saúde, escolas e outros serviços básicos. Atualmente, os moradores viajam para a sede de Novo Airão para ter acesso a esses serviços.
“Converso com moradores do Tambor, muitos deles saíram de lá. À medida em que os filhos iam crescendo e precisava ter acesso a políticas públicas eles precisavam sair, baixa pra Novo Airão, registra domicílio em Novo Airão para poder ter acesso aos programas”, afirmou Luiz Nascimento.
Reforma agrária
O professor Luiz Nascimento explica que, até o início dos anos 2000, o Programa Nacional de Reforma Agrária, contemplava apenas a reforma agrária clássica, em que o governo federal destinava um pedaço de terra da União ou desapropriava uma fazenda improdutiva para assentar famílias de agricultores.
“A partir dos governos Lula foi pensado arranjos de reforma agrária, considerando a dinâmica amazônica, de tal maneira que por exemplo, os quilombos e as unidades de conservação de uso sustentável passaram a compor o Programa Nacional de Reforma Agrária”, afirmou Nascimento.
O professor explica que, diferente do modelo clássico, o programa de reforma agrária prevê a concessão de áreas de uso comum.
“Você vai pegar um perímetro e dizer que ele é uma área beneficiada com a reforma agrária e cada família vai ter um documento específico de concessão de direito real de uso, podem ficar lá a vida inteira, mas não serão propriedades privadas que poderão ser vendidas no futuro. A ideia é preservar aquele território socio ambientalmente equilibrado”, explica Nascimento.