SÃO PAULO – A vitória de Donald Trump na disputa presidencial americana, confirmada na última quarta-feira (6), pode ser explicada, em parte, pelo apoio que ele recebeu da população hispânica e latina – um eleitorado historicamente até então alinhado aos candidatos do Partido Democrata.
Pesquisas de boca de urna realizadas pela rede americana NBC indicaram que Trump atraiu 45% dos votos hispânicos em 2024 – um avanço de 13 pontos percentuais em relação ao pleito de 2020. Um exemplo foi o condado de Yuma, no estado do Arizona, ao longo da fronteira com o México, onde Trump deve terminar com pelo menos 30 pontos percentuais à frente de sua oponente Kamala Harris. Em 2020, embora também tenha vencido no condado, o republicano recebeu apenas seis pontos percentuais de votos a mais do que Joe Biden.
De acordo com Rodrigo Costa, especialista em imigração e presidente da Viva América, consultoria imigratória para os EUA, a aproximação do eleitorado latino-americano com o Partido Republicano não é de hoje e pode ser explicada por razões culturais.
“Quem vota é o imigrante que tem a cidadania americana, ou seja, aquele que já vive aqui há pelo menos cinco anos, geralmente mais. É o imigrante que veio legalmente e seguiu todos os passos para receber o green card. Quando ele vê o aumento na imigração ilegal, e conterrâneos burlando a lei americana, há um sentimento de que eles mancham a imagem dos latinos”, explica Rodrigo Costa, que há dez anos vive nos EUA e lida diariamente com imigrantes de dezenas de nacionalidades que buscam realizar o sonho americano.
Por causa disso, explica o especialista, os votantes latinos e hispânicos tendem a defender políticas de imigração ordenada, o que ajuda a explicar a identificação com Trump. “A imigração para os EUA, especialmente a ilegal, explodiu desde a pandemia, para níveis jamais vistos.”
Em 2023, segundo dados do Serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP, na sigla em inglês), foram registrados mais de três milhões de flagrantes de imigrantes tentando atravessar a fronteira americana – a grande maioria, pela divisa sul com o México.
Além disso, analisa Costa, trata-se de um eleitorado que preza bastante por valores familiares e que acredita no chamado sonho americano. “Além disso, muitos deles fugiram de regimes de esquerda em países como Venezuela, Cuba e Nicarágua e sentem que o Partido Democrata não confronta adequadamente esses governos. E o discurso de Trump de chamar os democratas de socialistas também reforça esse imaginário”.
Nas eleições intermediárias, em 2022, o governador republicano Ron DeSantis foi reconduzido ao cargo de maneira convincente, vencendo inclusive na região de Miami, o que surpreendeu os analistas. Foi a primeira vez que o condado, um porto seguro dos democratas, votou majoritariamente em um candidato republicano desde 1998.
Pelo menos 56% dos latinos da Flórida votaram na reeleição do governador Ron DeSantis em 2022, sendo 68% dos cubanos.
“A campanha de Trump entendeu esse fenômeno melhor do que os democratas, vendo os latinos como trabalhadores americanos de classe média e não exclusivamente como um grupo identitário. Até porque, embora orgulhosos de suas raízes, são famílias que deixaram suas terras natais, embora em alguns casos de maneira involuntária, para seguir suas vidas nos Estados Unidos”, analisa Rodrigo Costa. “Eles também acreditam no self-made man e se alinham ao discurso antiviolência, que era algo que eles viam às vezes com intensidade em seus países de origem”, complementa.
Durante sua campanha, Trump adotou um discurso exatamente alinhado a esse pensamento: por um lado, prometeu fazer a maior deportação em massa da história do país e, por outro, defendeu que imigrantes – legais ou ilegais – que obtenham um diploma por uma universidade americana tenham direito à residência permanente, o famoso green card.
“Imagino que, ao assumir o mandato, Trump irá desfazer uma série de medidas impostas por Biden, dentro de seus limites como chefe do Executivo, incluindo as ordens executivas sobre imigração. Também deve orientar as autoridades imigratórias a criarem regras que dificultem o pedido de asilo, por exemplo. E, talvez, nos primeiros meses, faça algo mais teatral na fronteira, para dizer que endureceu contra os imigrantes indocumentados. No entanto, ele sabe que depende desses estrangeiros para a economia americana continuar crescendo”, diz Costa.
Os dados mais recentes do Escritório de Estatísticas do Trabalho (BLS, na sigla em inglês) dos EUA revelam uma escassez de mão de obra no país. Enquanto há 7,4 milhões de vagas abertas nas empresas estadunidenses, há somente 7 milhões de desempregados. “A solução para esse problema passa, invariavelmente, pela atração de profissionais estrangeiros”.