Um árduo defensor do Direito em seu discurso de formatura, na Faculdade de Direito de Recife, Turma de 1902, o advogado Heliodoro Balbi, descreveu o Brasil e, indiretamente, sua terra, o Amazonas, como um profeta de impressionante atualidade. E naquele discurso, ele descreve o exercício da advocacia a favor das pessoas, da liberdade e da Constituição Social, além de tratar o Direito como uma epopeia de luz. Vale a pena meditar:
“Entrai como uma voz de protesto contra os oligarcas da República, contra os jornalistas imprudentes, contra os advogados sem escrúpulos, contra os governos ladrões, contra os juízes venais. Entrai, sim, mas entrai como legionários do Direito, como sentinelas da Justiça, como amigos da liberdade e do homem. O patrimônio dos órfãos, a massa dos falidos, os bens dos ausentes precisam de mãos puras para guardá-los, de mãos limpas para geri-los, de mãos honestas para movê-los. (…) E há de ser de vós que sairá o renascimento da Pátria abatida, a fraternidade dos homens no esboço amorfo da sociedade de amanhã, prólogo incolor ainda dessa epopeia de luz, inassinalável hoje, mas que será o estado definitivo e último da constituição social”. Qualquer semelhança com os nossos dias, com certeza, não é mera coincidência.
Quem foi Heliodoro Balbi? Por que não resgatamos essa beleza e a grandeza desse Advogado que faz jus ao esplendor da Praça que leva seu nome. Filho de Italianos, vindos para a Amazônia do Ciclo da Borracha, no século XIX, Balbi nasceu em Manaus em 1876 e faleceu no Acre. Ele viveu as três décadas do glamour’ e gastança dos endinheirados, condutores de um Estado sacudido pela riqueza e pela corrupção. Professor, poeta, jornalista, Balbi foi um cronista atuante em seu tempo, traduziu em seus artigos, poemas e discursos na periferia de Manaus, a indignação sociológica com as contradições da desigualdade de seu tempo.
Disputou eleições e foi eleito em três oportunidades para a Câmara Federal, mas, por manobras obscuras, impostas pela oligarquia do látex, jamais tomou posse. Numa peça de defesa de seu mandato, pôde fazer na Tribuna do Congresso Nacional um retumbante desabafo e, certamente, a ilustração dos motivos que levaram ao seu impedimento: “Senhor Presidente, senhores Pares, os ladrões da minha terra são tão audaciosos que escalariam o céu, se lhes dissessem que as estrelas eram libras esterlinas”.
Vale a pena folhear o livro ‘Palavras ao Tempo’, de Almino Afonso, também um de nossos mais brilhantes advogados e políticos da História recente, onde ele registra o discurso ‘Heliodoro Balbi, o esbulho eleitoral’, pronunciado na Câmara dos Deputados em 1998, e que faz jus à memória desse admirável e combativo advogado, um conterrâneo que, embora sumido nos currículos acadêmico das novas gerações é um paradigma luminoso e motivo de orgulho em nossa história manchada e atrasada pela corrupção.
O legado de Heliodoro é, verdadeiramente um Sol Dourado a iluminar os caminhos da advocacia e sugere-nos repensar o papel do Direito neste momento de escuridão. Temos certeza de que não foi para resgatar a Democracia de alguns, que advogados como Sobral Pinto, Ulisses Guimarães e nossos heróis da OAB lutaram. Nossas armas são o exercício obstinado, compartilhado e vigilante de uma Ordem forte e presente, na construção participativa de uma Democracia que sirva a todos, como sempre buscou o nosso herói do passado e do presente: Heliodoro Balbi não morreu!
A Constituição Federal do Brasil no art. 133 preconiza a dimensão do valor do advogado para a sociedade “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei” e importante ressaltar que a Ordem dos Advogados do Brasil sempre exerceu um papel fundamental na criação de uma agenda de modernização e reforma do Estado Brasileiro.
Hoje o País padece da síndrome da ingovernabilidade já que os Poderes da República não conseguem manter a união necessária para o bem da democracia. O fio condutar da mudança passa pela advocacia. A conquista do Estado de Direito pela qual viveu e morreu Heliodoro Balbi, que não renegou sua essência de homem de bem e advogado, para buscar, há mais de cem anos, o que ainda buscamos hoje: uma Nação que não se envergonhe de si mesma.
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