Da Folhapress
BRASÍLIA – O governo Jair Bolsonaro (PL) pode ter uma perda de R$ 92,1 bilhões em 2022, caso a Câmara aprove o novo programa de renegociação de dívidas para devedores da União com mudanças que favorecem grandes empresas devedoras.
A votação do texto ocorreria na noite desta quinta-feira (16), mas a fixação de benefícios maiores que os concedidos a pequenas empresas levou parlamentares do centrão e da oposição a obstruir a sessão.
Com isso, a apreciação do Refis foi adiada. Uma nova votação só deve ocorrer no início da legislatura em 2022.
Segundo os cálculos oficiais, obtidos pela Folha, a versão da Câmara levaria o governo a arrecadar R$ 35,7 bilhões com as adesões. Mas a renúncia com descontos e uso de créditos para abater o valor da dívida é bem maior, de R$ 127,8 bilhões.
O impacto é significativo porque as mudanças feitas pelo relator, deputado André Fufuca (PP-MA), beneficiam grandes empresas devedoras, com descontos generosos em multas e juros, ainda que elas tenham tido lucro durante a pandemia de Covid-19.
Na versão anterior, aprovada no Senado, o programa concedia os maiores benefícios para companhias que enfrentaram dificuldades na crise.
Na quarta-feira (15), o relator protocolou o texto com alterações como a redução do valor do pagamento de entrada e a ampliação nas possibilidades de uso de créditos para abater o saldo das dívidas.
Na noite desta quinta (16), um novo parecer ainda acabou com a gradualidade dos descontos, que buscava favorecer mais contribuintes que tiveram as quedas mais significativas no faturamento durante a crise. A intenção do relator de conceder descontos lineares foi antecipada pela Folha.
O programa é classificado por técnicos da área econômica como “muito pior” do que havia sido aprovado no Senado.
O governo estima que R$ 554,1 bilhões em dívidas serão negociados no programa, dos quais R$ 362 bilhões vão desaparecer.
A principal explicação é o artigo que dá condições ainda mais favoráveis de negociação. O dispositivo permite a quitação integral da dívida com os créditos de prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), após descontos de 90% em juros e multas e 100% em encargos.
No limite, empresas em boas condições financeiras, mas que tiverem prejuízos fiscais acumulados nos balanços, poderiam usá-los para quitar as dívidas sem desembolsar nenhum centavo.
Antes da divulgação oficial do parecer, Fufuca havia negado que permitiria o uso indiscriminado dos créditos para abater as dívidas.
“Há um limite para o prejuízo fiscal, tanto na transação (tributária, outra modalidade de negociação) quanto no Refis. Alguns limites serão alterados, mas não vai ser 100%, porque senão a União não vai recolher nada”, afirmou o relator.
No Ministério da Economia, porém, a interpretação é que essa segunda modalidade abre brecha para que toda a dívida seja quitada com o uso dos créditos, sem necessidade de pagamento em dinheiro.
A possibilidade de uso de créditos de terceiros, isto é, de outras empresas (inclusive inativas), amplia ainda mais a chance de grandes devedores regularizarem sua situação sem desembolsar nada, segundo avaliação de técnicos do governo. A medida também dificulta a fiscalização pela Receita Federal.
A área econômica vê o texto como uma bomba fiscal e classifica o desenho elaborado pela Câmara como o Refis mais agressivo já visto.
Segundo os cálculos da Economia, o prejuízo líquido – resultado da diferença entre arrecadação e perdas totais- seria de R$ 31,9 bilhões em 2023 e de R$ 36 bilhões em 2024.
Nos últimos dias, Fufuca contestou o prejuízo apontado por técnicos da área econômica. “Como é que você pode alegar que essas empresas vão ter condições de pagar se não for por meio do Refis, das condições que estamos criando? Se ela não pode pagar, consequentemente não vai ter arrecadação, o governo federal não vai receber esse recurso. Então está perdendo o quê?”, disse o deputado antes da votação.
Pela LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), porém, a concessão de descontos ou o uso de créditos de prejuízo fiscal para abater o saldo devedor são considerados renúncias de receitas.
A versão final do parecer, apresentada em plenário, dá a todos os contribuintes o mesmo tratamento em termos de benefícios e condições de parcelamento, independentemente da situação financeira.
Eles receberiam desconto de 70% em juros e multas e 100% em encargos e honorários advocatícios. O texto também permite abater até 50% da dívida com uso de créditos de prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa da CSLL.
A equipe econômica é contra esse formato, por privilegiar devedores contumazes, que teriam acesso às mesmas condições dadas a contribuintes mais afetados pela crise. O relator, por sua vez, defende “democratizar o acesso ao Refis”.
Caso a Câmara aprove o texto e o Senado confirme as mudanças, o Palácio do Planalto pode vetar os pontos que violarem normas de adequação financeira.
Os cálculos do Ministério da Economia foram feitos com a versão inicial do parecer, que previa a possibilidade de renegociar dívidas com a União mediante o pagamento de uma entrada de 2,5% a 10% do valor devido.
O valor ficaria abaixo do aprovado pelo Senado, que ia de 2,5% a 25%, conforme o grau do prejuízo sofrido durante a pandemia.
As dívidas teriam descontos de 65% a 90% em juros e multas e 75% a 100% em encargos, conforme o grau de prejuízo da empresa durante a crise.
O texto ainda permitiria a liquidação do saldo remanescente com o uso de créditos tributários obtidos quando há prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa da CSLL, com limite entre 25% e 50% da dívida.
Com as mudanças de última hora promovidas por Fufuca, técnicos da área econômica admitem que o rombo nas contas pode ser até maior que o estimado.
Mesmo no auge da crise, muitas empresas pagaram tributos sem descontos, em dia ou com prazos alargados graças aos diferimentos concedidos pelo governo em 2020 e 2021.
Por isso, o texto negociado com os senadores até permitia que contribuintes sem queda no faturamento ingressassem no Refis, mas mediante o desembolso de um valor maior de entrada e com acesso a descontos menos generosos.
Pela versão da Câmara, grandes contribuintes teriam acesso a condições sem precedentes em um programa de renegociação de dívidas com a União.
Os benefícios seriam maiores até mesmo que os aprovados para microempreendedores individuais (MEIs) e micro e pequenas empresas, ponto que foi alvo de queixas dos parlamentares antes do adiamento da votação.
Mais cedo, os deputados haviam aprovado o Relp (Programa de Renegociação em Longo Prazo), destinado a refinanciar dívidas das empresas menores. O texto foi aprovado por 382 votos favoráveis e 10 contrários. Agora, segue para sanção do presidente.
O prazo de adesão ia até 30 de setembro de 2021, e os débitos poderão ser quitados em 15 anos. As regras da proposta estabelecem que a entrada poderá ser parcelada em oito vezes e será de 1% a 12,5% do valor total da dívida.
Uma emenda de redação aprovada nesta quinta ajustou o prazo de adesão para o último dia útil do mês seguinte à publicação da lei.
Nessa modalidade, os juros e as multas terão descontos de 65% a 90% e de 75% a 100% de encargos legais.
Programa de renegociação de dívidas com a União
Como era no Senado
– Pagamento de entrada entre 2,5% e 25% do valor da dívida, de acordo com a queda observada no faturamento entre março e dezembro de 2020
– Quitação da entrada em cinco prestações
– Descontos progressivos, de 65% a 90% em juros e multas e de 75% a 100% em encargos. Quanto maior a queda no faturamento, maior o abatimento
– Limite para uso de créditos de prejuízo fiscal, de 25% a 50% da dívida
Como fica na Câmara
Opção 1
Pagamento de entrada ficaria de 10% do valor da dívida, em até dez prestações Descontos de 70% em juros e multas e 100% em encargos, independentemente da situação financeira do contribuinte
Opção 2
Possibilidade de quitação integral da dívida com créditos de prejuízo fiscal Descontos de 90% em juros e multas e 100% em encargos, independentemente da situação financeira do contribuinte